Em 2011 a agência de espionagem alemã, a Bundesnachrichtendienst (BND), permitiu o acesso dos seus arquivos secretos a uma comissão independente de historiadores. O diretor Ernst Uhrlau considerou ter sido aberta uma caixa sem fundo com conclusões surpreendentes.
Mesmo que já se soubesse ter ocorrido a participação de antigos agentes nazis na BND, os arquivos demonstraram uma dimensão insuspeitada dessa realidade, tida como regra de comportamento político adotada pelo governo de Konrad Adenauer com a colaboração ativa da Administração Truman.
Num Ocidente em que os governos viviam no terror da ameaça comunista, a possibilidade de recorrer a gente pouco respeitável era questão de somenos, tendo em conta a sua especialização para obter informações dos inimigos sem olhar aos meios envolvidos.
Os serviços secretos alemães do pós-guerra foram criados a partir de uma comissão liderada por Reinhard Gehlen, e ganharam consistência, com apoio dos americanos, a partir de 1947 e incidindo quase exclusivamente sobre a atividade da União Soviética.
Esse mesmo Gehlen já fizera tal trabalho no III Reich, mostrando-se já então muito entusiasmado com a recolha de informações sobre o inimigo a leste.
Klaus Barbie, o chefe da Gestapo em Lyon, conhecido como o carniceiro responsável pela morte de milhares de judeus e de comunistas, foi um dos contratados, com os norte-americanos a declararem nada saber sobre o seu paradeiro, apesar de se tratar de um dos responsáveis nazis mais procurados.
Só quando as pressões francesas para o extraditarem se tornam demasiado insistentes, é que Barbie fugirá para a Bolívia, sempre com o apoio da CIA.
Entretanto Gehlen cria uma instalação fechada, quase autóctone, e totalmente dedicada à espionagem antissoviética. O ter ou não pertencido à estrutura de poder nazi e cometido ou não crimes de guerra, não se colocava.
Em 1948 outro pertinaz anticomunista primário, Wilhelm Krichbaum, que fora designado em 1941 chefe da polícia secreta do Reich, também passa a pertencer à organização dirigida por Gehlen.
Essa antiga polícia secreta nazi não fora objeto de investigação nos Tribunais Internacionais, apesar de se conhecer o seu papel em comandos de execução de milhares de judeus.
Ora, quando cada um desses antigos espiões nazis entra na BND, traz consigo uma rede de colaboradores proveniente desse passado doravante apagado em nome do superior interesse geoestratégico colocado pela Guerra Fria, sobretudo quando o conflito na Coreia reforça o medo da “ameaça comunista”.
Colocados sob o “controle” da Chancelaria, os funcionários da BND tiveram de dar prova da sua desnazificação, o que lhes não foi difícil, passando todos por meros colaboradores secundários do regime hitleriano.
A partir de 1955 o responsável pelos serviços de informação é Hans Blocke, que fora um dos principais criminosos nazis, mas contava com a proteção de Adenauer. O que significou para a generalidade dos seus companheiros o sinal de uma amnistia tácita. Logo surgem outros antigos responsáveis das SS como conselheiros de estado e noutras altas funções do novo regime oeste-alemão.
Estava Adenauer a preparar a amnistia total dos que ainda estavam presos pelos crimes nazis, quando Eichmann é capturado pelos israelitas e o chanceler alemão tem de pôr na gaveta essa intenção. Até porque a opinião pública da Alemanha ocidental começava a sair de uma certa letargia e a interrogar-se sobre os crimes dos seus pais, tios, avós, doravante colocados sob suspeita. E, quando são desmascarados alguns altos dirigentes, enquanto organizadores de comboios da morte ou em execuções em massa na Europa de Leste, o regime de Bona passa a estar na defensiva e a preocupar-se cada vez mais com as aparências.
E quando alguns dos foragidos na América Latina são identificados e objeto de pedidos de expatriação, o BND sente-se em perigo e tudo faz para frustrar essas possibilidades.
Em 1963, pressionado pelas circunstâncias, o BND tenta despistar internamente quais dos seus agentes poderão suscitar problemas devidos aos seus comportamentos durante o Reich. Mas quando Hans Henning Crome, que pertencia à comissão encarregada dessa investigação, descobre que um dos agentes da BND estivera envolvido na morte de mais de 140 mil judeus holandeses, é rapidamente afastado e os seus relatórios sumariamente arquivados.
O que explica que Klaus Barbie, então disfarçado de Altman, continue a enviar relatórios de La Paz enquanto agente da BND. Aonde os pedidos de extradição das autoridades francesas começam a criar grande nervosismo.
Por essa altura Barbie sente-se em segurança na Bolívia sob a proteção dos ditadores, que aí se iam sucedendo no poder. Até porque passara, entretanto, a servir de conselheiro, senão mesmo em executante das torturas praticadas sobre quem agia contra o regime.
Só em 1982, com a implementação de um regime democrático é que Barbie é preso e sujeito a extradição a pedido da França ,,, e da Alemanha, que cuidara, entretanto, de apagar o rasto desse incómodo colaborador nos registos da BND.
Ia-se entretanto concluindo que noutros países latino americanos (o Chile) ou no Médio Oriente (Alois Brunner na Síria) outros antigos foragidos nazis tinham participado na criação de serviços secretos nos seus países de asilo e lançado programas de tortura dos opositores aos respetivos regimes. Sempre mantendo antenas de colaboração com os seus antigos companheiros, então a trabalharem para o BND. Mas muitos dos documentos, que o demonstravam, foram destruídos nos anos 90.
Hoje, depois de estar tão bem estabelecida a contratação de antigos nazis pela BND, os historiadores procuram noutros ministérios alemães a prova em como esse tipo de prática teve aplicação mais ampla durante os anos de governo de Konrad Adenauer.
No imaginário germânico ainda muito está por fazer no sentido de libertar as mentes de uma cultura de expansionismo , que anda a afetar os países do sul da Europa por esta altura.
Sem comentários:
Enviar um comentário