quinta-feira, 18 de julho de 2013

LIVRO: «Trilogia Suja de Havana» de Pedro Juan Gutierrez (2)

Nunca fui um grande entusiasta dos livros de Henry Miller ou de Charles Bukowski. A perspetiva misógina e assumidamente egoísta de cada um deles, na forma como vivia a boémia e a rejeição dos valores mais convencionais das sociedades em que se inseriam, poderá interessar-me numa lógica de curiosidade por tudo quanto é humano, mas causa-me algum nervoso miudinho a nível ideológico por se tornar fácil inscrever o niilismo de qualquer deles numa filiação muito diferente da por mim defendida.
No caso de Pedro Juan Gutierrez sinto algo de muito semelhante. É que Cuba, nestes anos aqui descritos (1994-1997) passou por uma das maiores crises sociais e económicas da sua História, muito por conta da liderança de Ieltsin na Rússia, e do corte abrupto de todos os apoios propiciados pela União Soviética até então.
De repente foi a própria Revolução que ficou em causa, com os cubanos condenados ao desemprego, à miséria mais extrema, às mais tenebrosas vias para sobreviverem.
Nesse ambiente Pedro Juan Gutierrez apenas se preocupa consigo mesmo, e sobretudo em dar satisfação à libidinosidade por que se sente permanentemente obcecado. E, no entanto, ele até integrara, sem complexos, a élite burocrata do regime.
Num conto, ainda do primeiro volume da trilogia, Pedro Juan Gutierrez aborda a fase de transição entre essa sua vida anterior e a que se lhe sucedera, irreverente e boémia.
Isso ocorrera, quando aliara o emprego como jornalista numa rádio com o de amante de uma prostituta cujo marido estava na prisão. Mas avisa quem pretender uma história muito estruturadinha em sucessão cronológica: Levei aquela vida dupla durante muito tempo: atinado e sensato na estação de rádio. Desatinado e insensato na moradia, com Miriam. Ainda não me sentia livre, mas já estava no bom caminho. O certo é que não me interessa nada que seja linear, reto. Não me interessa nada que avance com limpidez de um ponto para outro, e que se saiba perfeitamente que essa linha começou aqui e  terminou acolá. Não há que pretender nunca que se é atinado e sensato e levar uma vida linear e exata. A vida é bastante imprevisível. (pág, 51)
Ao romper definitivamente com o regime, Pedro opta por um comportamento individualista e sem ponta de escrúpulo: Sempre vivi como se fosse interminável. Quero dizer que destruo e volto a fazer tudo continuamente. Nunca pensei que podia acabar louco ou suicida. Talvez seja do hábito de não cultivar, de não guardar, de não prever. A pouco e pouco foi aumentando o peso nas minhas costas. Escombros a mais. Foi assim que me acostumei a aproveitar-me de tudo e de todos. (pág. 65).
É claro que essa nova orientação na vida tem uma consequência inevitável: uma profunda solidão por muitas vaginas, que se encontrem para fornicar: não é que uma pessoa escolha estar só. É que, a pouco e pouco, uma pessoa vai ficando sozinha. E não há remédio. É preciso resistir . Chega-se a essa imensa planície desértica e não se sabe que raio se há-de fazer. Muitas vezes, pensa-se que o melhor é fugir. Para outro país, outra cidade, outro sítio. Mas continua-se encurralado.
Outras vezes, pensa-se que o melhor é não pensar muito em nós próprios e na cabra da nossa solidão, que se agudiza quando ficamos sozinhos e calados. Pois bem, é preciso pormo-nos em ação, ir dar uma volta. (pág. 82)
É o que se dedica a fazer: andar as voltas pelo Malecón!


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