Marcel Carné roda ”Le Jour se Lève” logo após ter conhecido um dos grandes sucessos da sua carreira de realizador de cinema, com “Quai des Brumes”, de que manteve não só muitos dos elementos da equipa técnica e dos atores (entre os quais Jacques Prévert nos Diálogos, Alexandre Trauner na Cenografia, Maurice Jaubert na Banda Sonora e Jean Gabin como protagonista) mas também da temática envolvida: a fatalidade, que se abate sobre um homem comum.
No entanto o filme teve um acolhimento menos favorável, sendo visto como um mero sucedâneo. Só mais tarde, graças ao crítico André Bazin é que foi reconhecido como uma das principais obras-primas do cinema francês.
Carné, que viveu entre 1906 e 1996, ainda conheceu dois enormes sucessos, quer durante, quer logo após a Segunda Guerra Mundial: “Os Trovadores Malditos” (“Les Visiteurs du Soir”, 1942) e “Os Rapazes da Geral” (“Les Enfants du Paradis”, 1945). Posteriormente, apesar de tentar filmes de acordo com o gosto popular (“Les Tricheurs”, 1958), só com “Thérèse Raquin” (1953) voltará a conhecer um relativo sucesso.
“Le Jour se Lève” é, pois, um dos clássicos do seu autor, inspirando-se quer na estética do cinema mudo, quer da tradição alemã, a Kammerspiel, que Carné transpôs eficientemente para um ambiente francês: um drama depurado com um número muito limitado de cenários e ambientado num ambiente social modesto, que se conclui numa tragédia pressentida desde início.
Nos anos 30 ouve-se um tiro no último andar de um prédio isolado de um bairro popular. O operário François acaba de matar um homem. Acossado pela polícia e sem esperança de remissão, recusa render-se apesar dos apelos dos amigos.
Em flash back ele recordará os acontecimentos, que o conduziram a essa situação. O encontro com a florista Françoise por quem se enamora sem sucesso, já que ela é seduzida pelo insinuante Valentin, treinador de cães. O namoro sem entusiasmo com Clara, a assistente de Valentin. E as provocações deste, quando o vem procurar ao apartamento.
François acaba por se suicidar quando, ao nascer do dia, a polícia prepara o ataque final ao seu antro.
Se fosse uma peça musical, “Le Jour se Lève” evocaria um quarteto de cordas interpretado em tons muito baixos, já que Carné pedira aos atores, que emitissem os seus diálogos quase em sussurros. O que levou um crítico dessa época a publicar uma chalaça: «depois do cinema mudo e do cinema sonoro, temos o cinema balbuciado!».
A utilização de tempos distintos, ideia devida ao autor do argumento original (Jacques Viot), permite encadear o passado numa situação presente que contém em si a sua própria dinâmica fatal. Enquanto o passado recorre a frequentes elipses, de aberturas e esperanças, o presente decorre lento e inelutável em tempo quase real. E a ligação entre esses tempos é assegurada pela música funcional de Jaubert, que se escusa aqui aos ritmos vivos compostos para outros filmes de Carné.
Da tradição do kammerspiel deriva, igualmente, o cuidado cenográfico investido no quarto de François: o urso de peluche, as fotografias. Carné quis que esse quarto, aonde o protagonista espera o desiderato da história, fosse fechado dos quatro lados para acentuar essa sensação de claustrofobia durante a rodagem das cenas ali passadas.
Estreado em vésperas do conflito mundial, o filme seria proibido em França durante a Ocupação por estimular a desmoralização, mas passa nos ecrãs de todo o planeta, influenciando sobretudo os cineastas japoneses e suecos. “Kris”, o primeiro filme de Ingmar Bergman, é tido como um seu sucedâneo.
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