quarta-feira, 24 de julho de 2013

POLÍTICA: a crise do (des)governo e o fantasma que perdura no imaginário coletivo nacional

Agora que a crise foi adiada até à próxima bulha entre os garotos do (des)governo, vale a pena regressar aos aspetos menos conjunturais dos acontecimentos para abordarmos os de maior relevância enquanto sinónimos do principal fantasma que, a partir do passado recente, nos continua a assombrar.
Em primeiro lugar o habitual despudor de cavaco silva - o político com maior tempo de preenchimento de cargos públicos (de ministro a presidente da república) - ao alimentar o discurso antipartidos e contra quem exprime opiniões discordantes das suas. Por exemplo, os comunistas e os bloquistas são liminarmente afastados de qualquer possibilidade de se verem ouvidos sobre as suas posições, porque apenas representariam 10% dos eleitores expressos em deputados. E Mário Soares ou Manuel Alegre desqualificados enquanto adversários conhecidos do que é importante para a sua subjetivíssima noção de «interesse nacional».
Tem sido uma constante no atual inquilino de Belém o discurso antidemocrático e com ressonâncias evidentes nos valores do salazarento Estado Novo. Não admira, assim, que houvesse escolhido o termo «salvação nacional» para crismar o  objetivo proposto para o diálogo entre os três partidos por si escolhidos como relevantes para conseguir a submissão passiva aos ditames da troika. Mas, mais: essa tentativa de eliminar diferenças entre o PS, o PSD e o CDS filia-se num dos principais fundamentos da Constituição de 1933, quando buscava na criação de Corporações, a forma de integrar os interesses dos empresários e dos assalariados no mesmo saco como se eles fossem coincidentes e não contraditórios.
A crise destas últimas semanas veio confirmar que, apesar de jurar uma Constituição democrática, cavaco silva não tem currículo nem cultura, que o tornem capacitado para a tarefa para que foi eleito. Por isso a desgraçada herança deixada pelos anos que este (des)governo durar - esperemos que a gangrena interna de que padece o leve de vez até ao final do ano - não deverá ser só imputada a passos coelho e a paulo portas. Ambos são produto de uma filiação da direita portuguesa nos valores de que cavaco se faz líder incontestado: um salazarismo, que não se importa de destruir a economia, porque sempre foi avesso à industrialização e ao crescimento das cidades (e seus valores gregários!) em detrimento da sua tão idolatrada agricultura. E veja-se, a esse respeito o carinho com que o regresso ao campo é considerada por estes filisteus, valendo reportagens frequentes às feiras mais importantes do setor (Santarém, Beja).
Não se trata de defender a indústria agrária que aposta em maiores produtividades, mediante recurso a metodologias modernas e equipamentos mecanizados, mas a que resultaria dos serôdios regressos à terra e à simplicidade dos seus valores, como víamos nos filmes portugueses dos anos 40, quando Leitão de Barros comandava a estética do regime e Continelli Telmo era o seu principal artífice com o beneplácito de António Ferro e do seu Secretariado da Propaganda Nacional.
Quem há uns anos atrás se admirou com a vitória de salazar num concurso televisivo para designar qual o português mais admirado, não quis ver que o ideário do velho ditador não desapareceu com a sua providencial queda da cadeira. Esse ideário manteve-se vivo entre nós e até conseguiu chegar aos mais altos cargos políticos da Democracia. E é desse conjunto de valores de que o inconsciente coletivo continua imbuído que se explica, em grande parte, o subdesenvolvimento em que nos mantemos.
O ódio alimentado por tal gente contra José Sócrates radicou nesse mesmo preconceito antimodernidade: como encarar a reindustrialização com a aposta nas energias alternativas, mesmo comprovando-se ser essa a única possibilidade para reduzirmos as importações em hidrocarbonetos e gás natural?
Como aceitar escolas requalificadas e com excelentes condições capazes de gerarem um ensino de qualidade superior (vide a “obra” destrutiva conseguida por nuno crato em apenas dois anos!) ou a democratização efetiva do conhecimento a partir do Programa das Novas Oportunidades?
Como compreender o potencial de grandes obras públicas, que além de criarem emprego e desenvolvimento, garantiriam retorno às gerações futuras, através da rapidez com que se poderiam deslocar por avião, comboio ou automóvel para um interior enfim capaz de possuir argumentos para nãos e desertificar?
Como viver com os simplexes, fundamentos da verdadeira Reforma do Estado, quando a burocracia constitui o principal esteio para diabolizar os funcionários públicos (e encetar a guerra contra o seu poder de parar o país nas greves gerais!) e enredar os cidadãos nos processos kafkianos tão do agrado dos poderes totalitários.
A luta contra este (des)governo não pode ser dissociada da imperiosa luta contra o fascismo larvar, que prossegue nas mentes de muitos portugueses como se encontra expresso nas opiniões dos fóruns televisivos e radiofónicos aonde nos irritam os discursos tipo taxista. E essa batalha anuncia-se tanto mais determinante, quanto sabemos manter-se ainda em Belém por mais três anos o principal símbolo presente dessa mentalidade salazarenta!


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