Já lá vão uns anos largos desde que ouvi um professor contar que um conhecido empresário do norte do país costumava ir às Universidades convidar os melhores finalistas para trabalharem na sua empresa oferecendo-lhes remunerações espantosamente elevadas e um automóvel de serviço dos mais caros.
Os jovens em causa ficavam tão inebriados com aquele inesperado sucesso que queriam-no agarrar a qualquer custo. E por isso mesmo trabalhavam muito mais horas do que seria desejável, esquecendo-se da sua vida pessoal e social.
Passado um ano estavam completamente esgotados física e psicologicamente. Tinha-lhes acontecido um verdadeiro «burn out». Mas para o empresário em causa de pouco importava: despedidos os imprudentes já outra leva de recém-diplomados se perfilava para sucederem aos que de tão alto tinham tombado.
Um dos quadros mais eloquentes para representar esse exemplo é «A Queda de Ícaro» de Pieter Brueghel, o Velho.
Baseando-se no mito grego, o pintor mostra Ícaro no momento em que se despenha na água junto a um navio, mas sem suscitar qualquer atenção em quem por ali anda: um lavrador, um pastor ou até mesmo um pescador que tão perto dele se encontrava.
Recordemos que Ícaro conseguira sair com o pai, Dédalo, do labirinto onde o rei Minos os encerrara, graças asas com que se conseguira erguer nos céus. Mas ignorando o conselho do progenitor aproximara-se demasiado do sol e vira fundir-se a cera de que revestira o seu engenho voador.
Para além da inverosimilhança de situar a cena ao pôr-do-sol em vez do meio-dia tal qual se contava no mito, Brueghel mostra um caso desatualizado de «burn out»: enquanto na antiguidade, ou mesmo no seu tempo, ele consistia numa experiência estritamente individual, hoje em dia o filósofo Pascal Chabot defende que ela é vivida de forma mais sociabilizada.
A experiência individual do «burn out» suscita uma tal compreensão coletiva, que se transformou numa das principais patologias da nossa civilização. Onde se aceita como natural que o indivíduo se «queime» até cair.
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