Gostaria de não o reconhecer mas a evidência entra pelos nossos olhos adentro: o governo continua a ter um sucesso imerecido na estratégia de marketing, que delineou para as próximas semanas. Veja-se como, sem querer dar nada de substantivo, pôs todo o país dos comentadores televisivos a falar da revisão do salário mínimo.
Sabemo-lo de sobra: o fanatismo ideológico de passos coelho fá-lo um intransigente opositor do aumento desse padrão de ressarcimento do trabalho efetuado por conta de outrem, Já o disse e redisse, seja pela própria voz, seja pela de alguns dos seus altifalantes de estimação (joão césar das neves por exemplo!): em vez de aumentar esse valor, ele até pretenderia baixá-lo para que as empresas “ganhassem maior competitividade” e tivessem “custos de trabalho” mais baixos. Não esquecemos, igualmente, uma proposta peregrina da juventude centrista que ansiava ir mais longe: acabar pura e simplesmente com o salário mínimo, porque, para um desempregado, sempre seria preferível ganhar uns míseros patacos do que não ganhar absolutamente nada.
Mas as eleições estão aí a surgir e há que usar todos os meios possíveis para evitar a derrota humilhante, que estes três anos de incessante empobrecimento dos portugueses justificariam. E nada melhor do que agitar a bandeira do salário mínimo. Não para já, nem a troco de nada, mas ainda assim a sugerir a possibilidade dele não se manter tão miserável quanto o é.
Para os marketeers do governo as contas fazem-se assim: sujeitos a tão árido deserto, que lhes tem secado todos os rendimentos, os eleitores chegam a maio sem grande discernimento e com uma propensão compreensível para acreditarem em miragens.
É o síndroma das fatas morganas: olha-se para a realidade e ela parece invertida. Em vez de pobreza e de desemprego, julgam-se ver oásis resplandecentes e fartura de oportunidades de trabalho. E com a ajuda de umas estatísticas bem trabalhadas é só esperar, que os incautos acreditem no que julgam ver.
Por exemplo o FMI promete crescimento de 1,2% para este ano e de 1,5% para o próximo ano? Ribombam tambores e anunciam-se milagres económicos que só os “mal intencionados” querem negar. E, no entanto, quão longe continuaremos da riqueza produzida e do volume de exportações verificados em 2008! Ademais, quanto esses números continuam a significar aumento da dívida face aos juros vigentes nos tais mercados para onde passos e marilú anseiam atirar-nos sem rede de proteção cautelar.
Há pois uma tentativa bem sucedida do governo em comandar a agenda política pondo os telejornais a darem-lhes publicidade à conta dos repetitivos e inócuos encontros com os partidos e os parceiros sociais.
E, no entanto, quão necessária seria a revisão do salário mínimo para os 515 euros reivindicados pela CGTP ou mesmo para os 545 exigidos pelo Bloco de Esquerda. Quer com uma, quer com outra dessas verbas, nenhum português empregado conseguiria, ainda assim, sair do verdadeiro limiar de pobreza a que corresponde o custo de vida em que se insere.
Num ano em que os patrões se viram brindados com uma descida no IRC, pô-los a dedicar uma parte dessas mais-valias a devolver algum poder de compra aos seus trabalhadores não constituiria apenas uma forma mitigada de justiça social. Teríamos, sobretudo, mais dinheiro a ser canalizado para a economia real e a vê-la alavancada por um consumo interno em recuperação.
Mas tratar-se-ia decerto de uma verdadeira heresia para os salafistas da austeridade de que o governo está bem fornecido. Ainda que, enquanto estiverem formatados provisoriamente para «modo eleitoral», tenham de parecer quem não são...
Sem comentários:
Enviar um comentário