quinta-feira, 10 de abril de 2014

POLÍTICA: As alamedas que se irão abrir para um tempo novo

Este é o mês em que celebramos os quarenta anos da Revolução de Abril e em que a edição portuguesa do jornal «Le Monde Diplomatique» comemora os 15 anos de edição regular sob a égide da cooperativa Outro Modo.
Para quem se interessa pelos porquês e pelas previsíveis consequências das políticas assumidas pelos seus diversos atores, tal jornal constitui leitura obrigatória. Porque rejeita perspetivas primárias e sectárias, tentando colocar as questões dentro de um âmbito de leitura muito lato. Por isso é sempre um enorme prazer o de o ler sempre de fio a pavio, mesmo quando os temas não parecem suscitar um interesse imediato.
Na edição deste mês, já nas bancas, a diretora Sandra Monteiro  reatualiza os principais objetivos da publicação e que passam atualmente por promover a necessidade de voltar a ocupar as liberdades consignadas na Constituição e que vêm sendo esvaziadas pelas políticas do governo encabeçado por passos coelho.  E são essas liberdades, momentaneamente ostracizadas, que têm de cercear ou expulsar as que a direita gostaria de impor numa Constituição feita à sua medida e que o mesmo primeiro-ministro tentou fazer vingar quando ainda liderava a oposição ao governo de José Sócrates.
De acordo com o referido texto, para ser consequente com a sua estratégia ideológica a direita pretenderia ver as atuais liberdades constitucionais substituídas por outras de características absolutamente antagónicas: “teria de consagrar a liberdade de acumulação dos rendimentos para o capital e a liberdade de circulação de pessoas, mas só aquelas cuja pobreza «não incomoda». Garantiria a liberdade de circulação de mercadorias, produzidas pela mão-de-obra mais explorada, e a liberdade de criação de uma massa de trabalhadores desempregados e precarizados, para assegurar essa mesma exploração. Consolidaria a liberdade dos Estados de quebrar todos os contratos com os cidadãos, para o que é muito útil a instauração de um «estado de necessidade». Cuidaria, em contrapartida, da liberdade de honrar os contratos com os poderosos, a começar pelos credores financeiros e pelos detentores de propriedade privada - mesmo quando numa imensidão de casas desocupadas podiam habitar cidadãos que vivem nas ruas; mesmo quando as florestas e os campos são entregues ao fogo e ao abandono em vez de serem fruídos e cultivados; mesmo quando a investigação de contas em offshores e paraísos fiscais podia canalizar para o orçamento público e para a economia verbas que agora só engrossam a riqueza, a fraude e a especulação.»
Temos, pois, uma realidade invertida em relação ao que cavaco silva deveria fazer impor ao ter-se comprometido a fazer respeitar a Constituição, que deveremos continuar a defender enquanto arma contra ainda maiores assaltos às nossas liberdades fundamentais.
Bem tentam os suspeitos do costume afirmar que esse texto fundamental está desatualizado em relação aos tempos que se vivem. Mas, na realidade, são eles quem estão em contracorrente com aquilo que continua a ser a base legitimadora de uma sociedade mais justa e em que os rendimentos não sejam tão desigualmente distribuídos. Em que o direito á saúde, à educação, à habitação não deveriam estar a ser quotidianamente desrespeitados.
Embora o julguem anacrónico, os defensores da manutenção da presente relação de forças entre as plutocracias e a maioria dos cidadãos do mundo, só estão a adiar aquilo que Salvador Allende previu no seu memorável discurso de despedida ao seu povo: «Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se. Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.»
E são essas alamedas que se hão-de abrir perante a inevitável e irreversível degenerescência dos valores de um capitalismo chegado ao seu estado último de evolução: o da globalização...


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