( a propósito do filme «Viva a Liberdade» de Roberto Andò)
Enrico Olivieri é o secretário geral do principal partido da oposição italiana. Embora influente, não consegue evitar uma profunda crise depressiva, quando se anuncia uma iminente e pesada derrota eleitoral.
Uma noite ele desaparece sem avisar ninguém e procura alojamento em Paris, na casa de Danielle, uma mulher que, quer ele, quer o irmão gémeo Giovanni, tinham amado intensamente vinte cinco anos atrás.
Nos primeiros dias, Andrea, o seu lugar-tenente ainda consegue evitar grandes sobressaltos mas, quando a ausência do chefe para lugar desconhecido se torna problemática, ele decide seguir o conselho de Anna, a mulher de Enrico, que sugere a sua troca com irmão, esse gémeo cuja bipolaridade levara a passar anos a fio em instituições psiquiátricas, apesar de ter conseguido publicar sob pseudónimo obra de relativo merecimento na área da Filosofia.
Enquanto Enrico acompanha Danielle para um local de filmagens aonde não desdenhará passar o tempo como assistente de cenografia, Giovanni compenetra-se em cumprir o papel do irmão à sua maneira.
Os discursos inteligentes e proferidos com grandes dotes de oratória não tardam a convencer os eleitores e os próprios companheiros de partido. E até o chefe de Estado deixa-se embalar pela súbita transformação do amigo.
Até Andrea fica fascinado com esse companheiro improvável, que já preferiria ver a ocupar definitivamente o lugar de Enrico, sem esquecer a própria Anna cada vez mais fascinada por um cunhado de que só conhecera a existência sem nunca o ter visto anteriormente.
As eleições estão ganhas para o partido e Giovanni parte para França ao encontro do irmão e de Danielle. Mas Enrico está precisamente a regressar a Roma de táxi.
Quando Andrea o encontra no seu gabinete fica na dúvida: será Enrico ou será Giovanni?
Roberto Andò adapta aqui o seu próprio romance, «Il truono viuto», publicado em 2012, que era uma reflexão ligeira e fantasiosa sobre a vida política italiana - habitualmente tão poeirenta - e sobre a possibilidade de a revivificar pelo milagre das palavras verdadeiras.
Num registo diferente do de Nanni Moretti, que costuma disparar críticas certeiras e geniais sobre Berlusconi, Andò oferece-nos a perspetiva de um mundo politicamente tão deprimido quanto o seu protagonista, devido aos compromissos e às pequenas negociatas com os amigos.
Tal como acontecia na Idade Média, quando o bobo fazia de rei durante a Quaresma, Giovanni investido no papel líder da oposição de esquerda ao governo, consegue galvanizar multidões em torno do seu discurso e do desígnio por ele pressuposto.
Este entusiasmo é reforçado pelos discursos nos comícios, quando cita Brecht de uma tal forma que qualquer um entende o significado transformador dessas palavras.
«Viva la libertà» revela-se um título apropriado para esta exaltação da fantasia e desse nunca abdicar dos ideais de quando se foi jovem. Há aqui uma assumida ingenuidade, que facilita o acesso à alegria, e a interpretação superlativa de Toni Servillo, quer como entediado político de um sistema em decomposição, quer como o filósofo bipolar e irreverente, que quase todos passam a admirar.
Não se trata, pois, de criar uma espécie de palhaçada ao jeito do tenebroso Beppe Grillo. Para Andò a política italiana está moribunda, mas pode voltar a criar o entusiasmo participativo das massas populares se se comprometer com um discurso de verdade e de esperança, sem se esquecer de nomear com clareza quais os inimigos a combater.
Se nos ativermos aos discursos de Giovanni Olivieri depressa compreenderemos que eles não são muito diferentes dos que, nos anos 70, causavam idêntico impacto nas multidões.
Se o grande patronato conseguiu distrair os explorados com as ilusões consumistas e com propostas niilistas, que tendiam a fazer crer num novo tipo de sociedade com cada um a olhar por si e o deus da banca a mostrar-se ativamente contra (quase) todos, justifica-se dar o passo atrás e retomar o caminho da transformação do mundo em que vivemos naquela bifurcação em que as revoluções dos cravos pareceram ficar muito lá para trás.
Quem disse que precisamos de novas ideologias? Melhor solução será a de levarmos por diante as promessas socialistas, que fomos forçados a abandonar.
E já agora uma pergunta inocente: será que não se encontrará algures um irmão gémeo do líder do nosso principal partido da Oposição? É que dava um jeitão nesta altura em que as sondagens vão confirmando a anunciada derrocada da direita!
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