As recentes eleições municipais francesas, e a subsequente remodelação do governo, tem suscitado algumas interpretações irónicas na imprensa local. A mais interessante foi a de Serge Raffy no «Nouvel Observateur», que constata estarem reunidos todos os ingredientes clássicos das tragédias shakespeareanas no topo da pirâmide do poder. E mais, perante a fadiga que a opinião pública estava a manifestar a respeito dos episódios de tele-realidade dos últimos meses, deposita algumas expectativas no renascer das cinzas do casal Hollande-Royal com a indigitação da antiga companheira do inquilino do Eliseu como número três do novo governo.
Vejamos como ele conta a sua versão da história: uma antiga candidata à Presidência da República, vê o pai dos seus quatro filhos - de quem estava separada - conseguir em 2012 o que ela falhara cinco anos antes. O homem sobe ao trono, instala a sua nova favorita como rainha no Palácio. Mas a nova Madame de Montespan comete dois erros irreparáveis: tweeta contra a rainha-mãe, sua rival, e proíbe-lhe o acesso ao castelo.
O ultraje é devastador. Incuravelmente monárquicos os franceses não suportam tal humilhação. O Rei, tido como patriarca mole, cai logo do seu pedestal, esboroa-se nas sondagens e a rainha-mãe recupera a popularidade de outrora.
Temos, assim, concentrados todos os elementos de uma peça do bardo de Stratford-von-Avon: o ciúme, o poder, a conspiração. E o tweet ganha, nesta era da comunicação, o papel da cicuta na antiga Grécia.
Na última sequência de toda esta história a dama do tweet é repudiada sem rebuço e a Rainha-mãe regressa ao castelo. Novamente reunida, a família Royal faculta ao povo a sensação de apaziguamento, de reconciliação tranquila, que faz esperar que o Rei se dedique, enfim, a governar serenamente o país.
Raffy interroga-se: mas o monarca, que dizem indiferente aos outros, e não se deixa impressionar com os arrebates da alma, saberá manter essa imagem da paz reencontrada? E será que a Rainha-mãe terá forças para esquecer? No interesse do Reino, decerto que sim.
Noutro texto, aqui inserido no blogue durante a semana que passou, afiançava serem exageradas as opiniões, que davam como morto o processo de mudança prometido pela esquerda francesa em 2012. Uma sondagem BVA publicada no «Le Parisien» vem indiciar isso mesmo: Manuel Valls viu-se aprovado por 66% dos franceses pela sua nomeação para o Palácio do Matignon, com 88% de apoio dos socialistas e 75% do restante eleitorado de esquerda. Por isso mesmo depreende-se que ele virá a ser ajuizado mais pelos resultados do que pela sua (má) reputação na esquerda da esquerda. Ademais mantém-se a regra - que também é válida para Portugal! - que, quando um governo socialista fracassa, quem disso beneficia não é essa esquerda da esquerda, mas a direita. O que deveria fazer pensar os comunistas e os bloquistas quanto ao sucesso da estratégia de terem derrotado o PEC IV há três anos. Porque, se pretenderem ser eficazes de forma a satisfazerem as aspirações dos “humilhados e ofendidos”, deverão encontrar melhor estratégia para não fazerem o jogo dos que precisamente deveriam focalizar como seus principais adversários.
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