O segundo dia do Festival Indie coincidiu com o dia da Revolução de Abril e a melhor forma de a comemorar foi através da exibição do filme de Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro sobre a vida e obra de José Mário Branco na grande sala do São Jorge.
O documentário levou sete anos a rodar, mas o resultado é notável pela riqueza do material de arquivo, que os realizadores investigaram quer em Portugal, quer em França, pelas entrevistas com muitos dos amigos e admiradores da obra do cantor e compositor, por muitas imagens captadas em concerto, nos seus bastidores ou em estúdios de gravação e pela evocação de dezenas das excelentes canções por ele compostas sempre como arma.
Há, sobretudo, a sua personalidade, que lembra, em coerência, a do recentemente desaparecido Pete Seeger. Um e outro, assim como o nunca por demais homenageado Zeca Afonso, personificam aqueles que um célebre poema de Brecht definia como os imprescindíveis. Porque fazem do desejo de utopia um estímulo diário para prosseguir a luta. E, de facto, num dos muitos grandes momentos do filme, quando evoca a sua deslocação a Timor Leste, José Mário Branco lembra como a resistência em si já significa vencer, porque a tentação de desistir é tão grande que o facto de a contrariar já equivale a avançar um pouco mais no objetivo da luta.
Noutro grande momento ele recorda como o inventor da cura da sífilis porfiou centenas de vezes na procura da solução para eliminar os efeitos de tal doença e só à 914ª tentativa é que foi coroado de sucesso, Por isso pergunta quantas vezes tentámos nós mudar o rumo das coisas a nosso favor? Quantas vezes fomos à rua gritar a nossa indignação e exigir um mundo novo a sério? Dez? Vinte? Cem?
Conclusão: se queremos mudar de vida não podemos desistir de tentar!
Se este é um tempo em que vemos tantos à nossa volta perfilarem-se de medo perante ventos tão ostensivamente adversos, maiores motivos encontramos para não abdicarmos dos nossos sonhos e estarmos presentes em todas as ocasiões em que possamos ser a tal gota capaz de extravasar um rio tão violentamente oprimido pelas margens que o procuram conter!
É por tudo isso que o filme de Pedro Fidalgo e Nelson Guerreiro é tão fundamental, porque além de constituir uma excelente evocação destes últimos cinquenta anos desde o tempo em que os jovens eram obrigados a emigrar para não servirem de carne para canhão na Guerra Colonial até este bem presente, em que os da mesma idade são expulsos do país, porque só assim os donos de passos coelho e paulo portas julgam possível a total reversão dos caminhos que abril abriu.
(Para os distraídos que perderam esta oportunidade de ver o filme, vale a pena lembrar que ele volta a ser exibido no mesmo São Jorge no domingo, dia 27 às 4 e um quarto da tarde.)
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