No final do século XV a Coroa portuguesa esteve quase a conseguir a união política de toda a Península Ibérica sob a sua condução. Era esse o desígnio de D. João II quando casou o seu único filho legítimo com a herdeira dos reinos de Castela e Aragão, então liderados pelos seus primos, os Reis Católicos.
Se tudo houvesse corrido de feição teria sido possível construir uma grande potência neste canto da Europa e Lisboa ainda hoje poderia ser, quem sabe?, uma metrópole marítima por onde passaria grande parte do comércio mundial. Bastaria para tanto, que o infante Afonso não tivesse morrido na sequência de uma queda quando cavalgava, que não tivesse cedido ao fundamentalismo anti sionista que expulsou - quando não mesmo assassinou - as populações mais talentosas dos dois reinos (os judeus e os mouros) e que o futuro Império, onde o sol nunca se punha, tivesse evoluído de forma mais inteligente do que a revelada nos séculos seguintes. Nomeadamente que nunca tivesse gerado biltres da dimensão de um franco ou de um salazar.
De qualquer forma esse momento histórico em que tudo pareceu possível, e não demorou a desabar em menos de um século (perdendo-se até a independência), justifica que muitos considerem D. João II a personalidade mais valorosa da História lusa.
O romance de Seomara Veiga Ferreira dá um forte contributo para essa mitologia, desenvolvendo-a a partir do relato de um alquimista de origens judaicas, Ambrosius Roiz, que conta esse século dezassete nacional à luz da conceção mais tradicional de encarar os conhecimentos históricos: a que os assenta no mero protagonismo das classes dominantes (aristocracia e clero) como se ao terceiro estado tivesse confiada a mera tarefa de servir de figurante passivo de quanto se passa à sua volta.
Por isso mesmo temos um romance em que são muitas as intrigas no seio da corte, muitas delas levando a traições e a punições exemplares. Como aquela em que o rei executa sem qualquer compaixão os que contra si tinham conspirado e eram os filhos do principal responsável pela morte do tio Pedro, o mais culto e viajado infante da Ínclita Geração em Alfarrobeira.
A autora não vinca o significado mais relevante desse momento histórico: o da afirmação do poder central sobre o dos aristocratas, que competiam entre si pelos favores e pelos feudos de que enriqueciam.
Nessa altura estavam criadas as condições para que um sistema económico já ultrapassado desse origem ao aparecimento de uma burguesia comercial pujante e esclarecida. O Renascimento, que emergia em Itália como símbolo do seu fulgor económico, teria tido condições de se revelar igualmente genial neste canto europeu, onde apenas se traduziu na poesia de Camões ou na arquitetura manuelina.
Mas D. Manuel devolveria aos nobres, que o bajulavam, as prerrogativas de que se tinham visto espoliados pelo antecessor. E começariam aí a criar-se as condições para que o desastre de Alcácer-Quibir afundasse de vez as ilusões imperialistas, que D. João II chegou a alimentar.
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