Numa reportagem a partir de Roma, aonde foi acompanhar o último dia de Ratzinger enquanto Papa, a repórter do «Público» Sofia Lorena escreve ter havido “católicos de coração apertado e sem poderem conter as lágrimas, invadidos por um vazio difícil de explicar”.
Foi curioso associar essas palavras às imagens de um documentário da BBC em que o jornalista Jonathan Dimbleby justificava o acelerado divórcio dos brasileiros com a Igreja Católica por causa do seu conservadorismo e da sobrestimada importância dada à solenidade da liturgia. O que seria uma notícia animadora se o resultado fosse um crescimento correspondente dos ateus e dos agnósticos a essas desafeições, tornou-se num espanto ao constatarmos, segundo o mesmo filme, que a adesão passou a ser orientada para cultos evangélicos, capazes de organizarem violentos e pouco bíblicos combates de boxe para captarem novos fiéis. Durante uma parte das suas sessões de culto, dois musculados lutadores esmurram-se sem dó para darem depois lugar ao pregador, que logo põe os espectadores ainda carregados de adrenalina a entoarem hossanas à sua pervertida utilização dos textos bíblicos.
Para quem via de fora esse exemplo de proselitismo baseado no recurso aos instintos mais primários da população, a surpresa não impedia que se colocasse a questão do absurdo em abandonar uma crença baseada na grandiosidade do mistério divino pelo seu contraponto mais grotesco.
O que Sofia Lorena viu na Praça do Vaticano foi a expressão decadente de uma metafísica incompatível com os valores de um mundo moderno aonde Deus parece condenado na sua forma mais transcendente. Em seu lugar surge um Deus transformado no espantalho de um imenso número de pregadores vigaristas, que se aproveitam da ignorância e das frustrações dos estratos mais baixos das populações para ganharem influência naquilo que, no Brasil, se torna cada vez mais preocupante: a capacidade para influenciar as decisões políticas ao mais alto nível. Ou não dependa hoje Dilma Roussef do voto de um exagerado número de deputados influenciados por esses cultos. E não persista Marina Silva como uma das mais fortes candidatas às próximas presidenciais enquanto cabeça de cartaz desse tipo de superstições.
Mesmo para um ateu é com alguma pena que se antevê o vazio espiritual de um mundo aonde o génio dos antigos construtores de catedrais já não voltará a encontrar forma eficiente de expressão, porque substituído pelo folclore dos místicos de pacotilha.
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