Numa vida profissional, que me levou a todos os continentes e a navegar por todos os oceanos (exceto o Antártico), uma das constatações mais curiosas por que passei foi a presença de compatriotas nossos nas mais longínquas paragens.
Ouvir falar português num qualquer lugarejo europeu não admira, tendo em conta essa vocação lusa por, desde sempre, procurar melhores expectativas de vida, passando a fronteira a salto. Mas acolher outras alternativas mais distantes, às quais só se chega de barco ou de avião, já se revela mais singular. Daí que sempre me tenha espantado quando ao cirandar pela Patagónia encontrei um português como dono de um hotel em Puerto Madryn, do mesmo modo que dei com outro como padeiro na ilha caribenha de Antígua ou com um grupo animado a expressar-se na nossa língua enquanto palmilhava a imensa Rua Nanjing de Xangai. Mas a melhor história sobre encontros improváveis de portugueses ocorreu com dois colegas de curso da Escola Náutica, o Henrique e o Anacleto, que, um dia, encontraram-se nos céus do Alaska, já que ambos estavam no mesmo voo entre Anchorage e Tóquio, um de regresso a casa depois de um embarque, e outro daqui saído para um período de navegação pelos mares asiáticos.
Não foi, pois, necessário que passos coelho propusesse a emigração como alternativa para que os portugueses optassem por essa alternativa, quando viram a sua terra natal tomada de assalto por gente indigna, mais preocupada com o bem estar dos seus titereiros do que com os compatriotas para cujo bem estar de felicidade deveriam encontrar soluções.
Foi isso mesmo que sucedeu a Rui, um antigo trabalhador numa fábrica nortenha a quem o desemprego levou para paragens recônditas da Ásia, aonde o autor de uma reportagem para o suplemento «Fugas» do «Público» o foi encontrar nas ilhas Perhentian pertencentes à Malásia.
Eis como Irineu Teixeira descreve esse encontro na edição do último sábado: e ali, postado no cândido areal, estava o portuguesíssimo Rui, da Madalena (Vila Nova de Gaia), qual Vasco da Gama dos tempos modernos, sem bússola nem nau, mas com a mesma vontade de enveredar por terras nunca antes calcorreadas. Com as trouxas às costas e um punhado de vinténs na algibeira, resultantes da saída “forçada” e desejada, da gigante vila-condense Quimonda, partiu sem data nem bilhete de regresso. Índia e Nepal foram longos, remotos e inolvidáveis apeadeiros antes de enveredar a sul, rumo à “estação paraíso”: as ilhas Perhentian.
Solícito, o jovem lusitano auxiliava Faizul na manutenção do seu despretensioso resort, ancorado na ponta sul da baía de coral, sobranceiro às pedras graníticas e cinematográficas, que ali foram cuidadosamente distribuídas, por um Deus pintor, no claro propósito de quebrar a intensidade das águas azuis e verdes, que se abraçam como um casal de namorados. Como moeda de pagamento, Rui recebe alimento e um lugar para o corpo descansar, após um dia entre o alisar as areias imaculadas, finas e farinhentas, a raiar a transparência, arrancar ervas daninhas, fazer recados ou a entreter os convivas em animados e descontraídos jogos de volei na praia. Uma canseira.
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