terça-feira, 26 de março de 2013

FILME. «O Acompanhante» de Paul Schrader

Ainda estamos a ver desfilar as letras do genérico de abertura e já, em voz off, começa a ser dado o tom do filme: algumas mulheres e um homem vão trocando diálogos maledicentes. Após um longo travelling da câmara chegamos ao quarteto em causa, que joga à canasta e integra quatro competentíssimos atores de diversas gerações do cinema norte-americano. Surgem assim Lauren Bacall, Lily Tomlin, Kristin Scott Thomas e Woody Harrelson. Elas são ou foram casadas com políticos da elite de Washington, enquanto ele é o «acompanhante» que lhes serve de motorista, parceiro de tardes de lazer ou de consultor para as questões de guarda-roupa ou de decoração de interiores. Sem suscitar complicações com os maridos já que é tão pública a sua condição de homossexual, como constituir o derradeiro espécime de uma linhagem de importantes políticos do passado, de quem só herdou o gosto pelo «lobbying».
Cena reveladora de como estamos num ambiente de máscaras acontece quase logo a seguir quando, depois dessa sessão semanal em casa de Natalie Van Miter (Lauren Bacall), Carter Page III chega a casa e, em frente ao espelho, tira a peruca para revelar a sua pouco glamourosa condição de calvo.
Mas, de entre essas mulheres influentes, de quem Carter está mais próximo é de Lyn Lickner (Kristin Scott Thomas), a quem chega a levar aos encontros clandestinos com o amante, um consultor financeiro em cujas opiniões Carter acreditara e graças ao qual perdera uma verdadeira fortuna. Mas os seus problemas ainda estão longe de se ficarem por aí: uma tarde, Lyn regressa rapidamente ao carro, transtornada por ter encontrado o amante assassinado com umas quantas facadas.
Para evitar o escândalo à amiga, Carter leva-a rapidamente a casa e regressa ao local do crime para dele dar conta à polícia. Ainda nos julgávamos a entrar no ambiente geral do filme e já ele nos coloca perante o seu tema fundamental: como a Polícia e a Justiça se conluiem para tirar dividendos políticos de um caso, que bem pode aproveitar à Administração Bush, já que o marido de Lyn é um dos principais senadores democratas e lidera um processo de investigação a negócios comprometedores dos republicanos.
Schrader nem sempre consegue tornar explicita toda a trama de chantagem, de intriga, de corrupção, em que Carter se torna modesto peão, mas se arrisca a tornar-se numa das suas mais indefesas vítimas. Até porque as suas antigas amigas, a começar por Lyn, fogem dele como da peste.
Carter vive o pesadelo das ilusões perdidas: num país aonde as próprias eleições terão sido sujeitas muito provavelmente a uma engenhosa fraude, ele confessa: “tive algumas ilusões destruídas… Pensei que não éramos uma nação agressora. Pensei que havia uma separação entre a Igreja e o Estado. Diabo, eu até pensei que era o povo quem escolhia o presidente”.
No final, depois de quase arriscar a o couro e o cabelo (mesmo que postiço!), Carter sai incólume das suspeitas, que um atiçado Procurador tenta fazer recair sobre ele. Perdidas as ilusões, inclusivamente as amorosas, Carter liberta-se dos problemas penais, mas fica inevitavelmente muito mais só.    
  






Sem comentários:

Enviar um comentário