Infelizmente não temos em Portugal uma cultura de assistir a documentários nas salas de cinema. Títulos como os de Michael Moore ou a experiência de Gonçalo Tocha na Ilha do Corvo funcionam mais como exceções como regra. Daí que um documentário como Free Angela, que se estreará em França no início de abril, terá poucas possibilidades de ser visto nos nossos ecrãs, salvo de um DocLisboa o trouxer para uma ou duas sessões. Mas trata-se de um filme fundamental para compreender muitas das lutas dos anos 70 e do papel nelas de uma mulher inteligente para quem a luta contra o capitalismo continua a fazer tanto sentido como a que personifica contra o racismo ou a opressão das mulheres.
Free Angela conta a história de uma jovem professora de filosofia do Alabama, oriunda de uma família de intelectuais afro-americanos, e politicamente bastante empenhada nas lutas do momento.
Durante a juventude, Angela Davis foi profundamente marcada pela sua experiência do racismo, concretizada nas humilhações da segregação racial e do clima de violência tão óbvio à sua volta.
Feminista, comunista, militante do movimento dos direitos cívicos, e companheira de luta dos Panteras Negras, Angela Davis alistou-se no apoio aos Irmãos de Soledad, três prisioneiros negros acusados de terem assassinado um guarda prisional como represália pelo assassinato de um dos seus companheiros. Dirigia então o departamento de estudos feministas da universidade da Califórnia.
Em 1970 Angela é acusada de ter organizado uma tentativa de evasão com recurso a reféns, que se saldou pela morte de um juiz californiano e de quatro presos e torna-se na mulher mais procurada dos Estados Unidos. Capturada, encarcerada, julgada, condenada à morte, será libertada, em 1972, por falta de provas e sob a pressão dos comités internacionais de apoio cujo slogan era «Free Angela». Entre as personalidades internacionais, que mais se destacaram nessa exigência de justiça figurara Jean Paul Sartre.
Transformada num símbolo da luta contra todas as formas de opressão - racial, política, social e sexual - Angela Davis encarna nos anos 70 o «Power to People». Com o seu penteado característico e uma silhueta soberba ela lançará involuntariamente a moda afro, então adotada por milhões de jovens.
Quarenta anos depois, por ocasião do aniversário da sua libertação, Shola Lynch regressa com este filme a um período crucial da segunda metade do século XX. E ainda que a verdadeira Angela Davis apareça nele, é a atriz Eisa Davis, sua sobrinha, quem assume a representação do seu papel nessa época.
Free Angela é o segundo documentário realizado por Shola Lynch, que, em 2004, rodara um filme sobre outra figura determinante da política norte-americana: Shirley Chisholm. E constitui uma nova abordagem de uma temática que, em 1972, ainda no calor dos acontecimentos, já levara Yolande DuLuart a rodar Angela Davis: Portrait of a Revolutionary.
Shola Lynch pretendeu traçar o percurso incomum de uma mulher admirável: Queria compreender como é que uma jovem intelectual negra, de 26 anos, já então tida como brilhante professora de literatura, se vira colocada no topo da lista das dez pessoas mais procuradas pelo FBI. Com Free Angela cumpre-se também o dever de memória para com muitos prisioneiros políticos desse período histórico. Daí que o filme esteja preenchido por muitas imagens de arquivo, resultantes de um rigoroso trabalho de pesquisa e de restauro.
Sem comentários:
Enviar um comentário