terça-feira, 5 de março de 2013

LITERATURA: Ciclo Lawrence Durrell (9) - «Justine»


«Justine»  começa suavemente com  um narrador anónimo a viver nas ilhas Cíclades e a classificar documentos evocativos de reminiscências turbulentas. O passado atualiza-se (saber-se-á, depois, que ele chama-se Darley) , professor primário anglo-irlandês em mudança de idade, que se assume ao mesmo tempo como personagem e processo literário (Durrell aproveita-se dele para contar a história).
Limitado nas suas faculdades de observação e de análise, ele mostra-se disponível para alterar as suas impressões à medida que o tempo e os factos se sucedem. Evoca a Alexandria de antes da guerra e o seu crescente amor por Justine, apesar de ainda viver uma relação tépida com  Melissa, a sua amante-prostituta.
Melissa, agora desaparecida, é (no momento em que renasce nas recordações de Darley), bailarina de clube noturno. Doce, leal, ela cultiva a amizade com os principais personagens do romance. A exemplo de Melissa, Justine será omnipresente nos quatro volumes do «Quarteto».
Existe também Alexandrina: genuína, bela, complexa, pianista talentosa, também possui diversos rostos, que nem sempre coincidem: lésbica, ninfomaníaca, sonâmbula, etc. Os detalhes sobre a sua vida estão fechados nos arabescos da técnica romanesca, e mergulhados na espessa obscuridade da cidade. O seu primeiro marido, Arnauti, foi o autor de «Moeurs», o romance utilizado por Darley para completar o retrato de Justine e a pintura de Alexandria que, pouco a pouco, se irá revelar como uma verdadeira personagem dramática.
Darley estuda a cidade em todos os seus detalhes e com todos os seus habitantes: Pombal, o francês; Capodistria, o cabalista; Scobie, o político homossexual; e, sobretudo Balthazar, herói epónimo do segundo volume e que segundo Darley constitui uma das chaves para a compreensão da cidade.
Darley ama Justine com uma paixão romântica, que a mistifica. Daí que aniquile a Justine-mulher-de-Nessim, incompatível com o seu sentido de posse numa relação baseada na personalidade, mais do que na sexualidade.
Aqui as relações humanas substituem o amor. O espírito predomina, sobrepondo-se à anarquia dos sentidos.  A importância das conversas de Darley com Justine tem menos a ver com o conteúdo do que com a forma.
Alexandria exprime-se nas relações entre os seus habitantes, nomeadamente entre quatro seres (Darley, Justine, Nessim, Mélissa) ligados pelo amor e, simultaneamente, pelo espirito de Alexandria, um espaço que afeta e configura as personagens.
Esboça-se assim a ideia do «It», o de Alexandria, o da personagem que com ela se identifica (Nessim) ou que crê na verdade (Cléa) e na natureza.
Resta dizer que é pueril qualquer tentativa de resumir «Justine», já que constitui a abertura do romance, aquela em que se esboçam as ligações entre as diversas personagens e a cidade no universo multidimensional criado por Durrell.
No final deste primeiro volume subsistem inúmeros enigmas. Darley apenas conhece Alexandria muito pela rama, já que será Balthazar quem lhe propiciará revelações fundamentais para conferir à obra uma dimensão misteriosa. O primeiro título, desta história três vezes repetida, termina suavemente com todas as paixões apaziguadas.

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