Em 1939 Albert Camus publica em Argel estes quatro ensaios, reunidos num mesmo livro, que quase parecem admiráveis poemas em prosa. Sem uma verdadeira intriga narrativa, fundamentados na experiência subjetiva do autor, que os escreve na primeira pessoa - o que acentua a sua convicção! - retratam, com lirismo e emoção, as etapas de um nascimento para o mundo e para si mesmo. Louvam as núpcias do homem e da terra, a unidade do mundo em termos de sol e mar, e saúdam a grandeza do amor humano, perecível e generoso.
«Núpcias em Tipasa» é o primeiro desses textos e celebra a beleza desse lugar mágico, onde as ruínas e a natureza se misturam, onde o amor e o desejo assumem as cores e os odores do mar e do sol, do céu e da terra da Argélia.
Celebração pagã, que torna o homem num deus, quando ele se integra e se cumpre num acordo profundo com a natureza. A glória de amar desmesuradamente encontra razão nas sensações, na alegria do corpo em contacto com o mar, o efeito dos absintos, o esplendor das praias ensolaradas. Desse majestoso e efémero momento, retira a sensação de se ter realizado na sua condição de homem e faz dessa estranha felicidade um sentido moral.
Em «O Vento em Djémila» a contemplação exaltada da paisagem silenciosa e da cidade morta, dissocia o ser de si mesmo. Ele cinge-se à sua presença no mundo. Nessa espécie de êxtase, Djémila faculta uma lição de amor e de paciência mas, igualmente, de amarga lucidez: a certeza de uma morte sem esperança e uma exigência de verdade: Para mim, face a este mundo, não quero mentir, nem que me mintam.
A experiência e a reflexão individuais estão presentes em «O Verão em Argel» sobre a evocação irónica e enternecida da população europeia da capital argelina através da sua vida quotidiana, dos seus costumes e linguagem colorida, que configuram uma mentalidade singular: ela só vive o presente, ignora a noção de pecado e de virtude, recusa a de eternidade e só conhece os prazeres do sol e do mar , ou os encantos carnais da juventude. Por esse lado os homens não fizeram batota. E é aí que Camus se sente identificado com eles, a exemplo do que sente a propósito da terra natal, sítio onde o coração encontrará o ritmo, pátria da alma, que alimentará as suas certezas e a sua nostalgia.
Ao leitor contemporâneo estas páginas podem parecer um mero testemunho de um mundo desaparecido.
«O Deserto», inspirado pela Itália e seus pintores e paisagens - sobretudo Pisa e Florença - prossegue a sua meditação lírica sobre a verdade do corpo e da morte: que devo fazer de uma verdade que não deve fenecer? A revolta perante esta evidência não exclui um consentimento pela beleza do mundo: O mundo é belo e fora dele não existe salvação, que é outra forma de amar.
Só também em «O Verão», de inspiração similar a este «Núpcias» e a «Estado de Sítio», é que Camus se deixará guiar pelo mesmo lirismo sem nunca se afastar da visão do mundo, da forma de pensar, e do estilo, que o caracterizavam. Aqui estão subentendidas muitas das passagens de obras de ficção, romances, teatro ou ensaios filosóficos, que virá a assinar.
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