quinta-feira, 7 de novembro de 2013

IDEIAS: pois indignemo-nos… mas depois, revoltemo-nos!

Foi o admirável Stéphane Hessel, quem lançou a indignação como palavra de ordem para qualificar o estado de alma de crescentes multidões por toda a Europa, antes de também ganhar expressão noutras latitudes, seja nas ressequidas primaveras árabes, no Occupy Wall Street ou nas enormes manifestações do Rio de Janeiro ou de São Paulo.
Uma das imagens emblemáticas dos que se confessam indignados é a da máscara de Guy Fawkes, o conspirador inglês condenado à morte e executado em 1606 pela tentativa de assassinato do rei protestante Jaime I.
Não é arriscado dizer que, em todas as manifestações contra os governos capitalistas, aparecem sempre alguns participantes ostentando tal máscara.
É, no entanto, paradoxal que se quisermos adquirir uma dessas máscaras, não faltam sites de vendas da net a oferecerem-nas como qualquer outra mercadoria. O que comprova esse absurdo: ao transformar tudo em produtos, que se compram e vendem, o capitalismo acaba por integrar os que o pretendem destruir.
Retira-se desta constatação uma óbvia lição: há que compreender os mecanismos do capitalismo para o conseguir contestar com maior eficácia!
Um dos primeiros testemunhos civilizacionais da indignação aparece expresso na Carta VII de Platão, quando este confessa a sua rendição à filosofia, quando foi tomado desse tipo de sentimento perante o impedimento a tomar a palavra em defesa de Sócrates no julgamento que o condenaria.
Desde então a indignação tem a ver com o espanto perante uma realidade com cuja aceitação se entra em rutura. A indignação começa no instante em que nos recusamos a aceitar o que estávamos habituados a consentir. Trata-se de um primeiro passo para a revolta.
Um exemplo eloquente, em imagem, dessa atitude é a da senhora indignada captada por Robert Doisneau, quando olhava para as nádegas femininas representadas num quadro, ao passar supostamente em frente à montra que o expunha.

Independentemente de se tratar ou não de uma imagem verdadeira - não esqueçamos as circunstâncias em que o mesmo fotógrafo “captou” o célebre beijo! - esse olhar reflete o significado da indignação: é um desejo de reconhecimento por parte de quem reage por se sentir vítima de violência ou de injustiça.
Por isso a indignação nem é de esquerda, nem de direita, vanguardista ou conservador: trata-se de uma atitude intrínseca a qualquer ser humano, que se desenquadra da circunstância em que vive.
Mas, segundo o filósofo Jean-François Mattéi, que refletiu sobre o tema no seu ensaio «L’Homme Indigné”, a indignação exige sempre um triângulo formado pelo corruptor, pela vítima e pela testemunha. A indignação desta última é a atitude de quem não está a ser diretamente violentado pelo corruptor, mas não pode aceitar a passividade da vítima.
Mas um movimento como o Occupy Wall Street pode federar os descontentamentos mais variados, amalgamando diversas posições, algumas das quais contraditórias entre si. Trata-se de um sentimento dominante, mais do que um ressentimento: na indignação há sempre a rejeição do que, na realidade, é identificado como um mal.
A grande questão hoje colocada a quem se situa à esquerda é a de conseguir com que esse reflexo se transforme em reflexão, capaz de fluir para um projeto ideológico consistente.
Na realidade portuguesa não tenhamos dúvidas, que perante a insuportabilidade da situação para que foi empurrada pela troika e pelas suas marionetas locais, a grande maioria da população está indignada, mas ainda não transitou para a fase seguinte, a da alternativa sustentável à austeridade pura e dura. Existisse essa proposta no dia 15 de setembro do ano transato e a imensa multidão, que então encheu as avenidas de Lisboa teria facilmente avançado para a conquista da sua bastilha.
Conclui-se, pois, pela evidência de indignação poder redundar em subversão. Era Camus quem dizia: Je me révolte, donc nous sommes!
Se a indignação é a garantia de humanidade entre o corruptor e a vítima, a revolta é a abertura para o universal, uma manifestação espontânea da metafísica adaptada à realidade. Ora é pela revolta, que se conseguirá infletir a desigual relação de forças entre a prepotência do corruptor e a fragilidade da vítima.
Mas a indignação veio para ficar: quem agora a sente, dificilmente dela se apartará, mesmo que a situação se resolva a seu favor. Era Ivan Karamazov quem, no romance de Dostoievski, reconhecia que, mesmo vindo a demonstrar-se a sua falta de razão, jamais se dissociaria da indignação conhecida desde os seus tempos de criança. É que as feridas do espírito nunca se curam, não se cicatrizam.
Camus, que também abordou o tema em «L’ Homme Revolté», considerava que no fulcro da sua revolta dormia um consentimento, e identificava na indignação a sua singularidade num indivíduo, enquanto a revolta correspondia à sua federação num coletivo universal.
Se na indignação estou comigo mesmo, na revolta já me converti num ator, num espectador mobilizado para o combate.
Mas a revolta ainda se distingue, igualmente, da fase subsequente, a da Revolução! Se a revolta corresponde ao momento em que tudo se equaciona, a Revolução já será a anulação de tudo quanto desse execrado mal ficou para trás.
Nesta fase das lutas sociais do Portugal atual, caberá à esquerda mobilizar as indignações individuais em consequentes revoltas coletivas…
Como diria Brecht aquele que está vivo não diga nunca NUNCA!


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