À primeira vista, e ao ler «Le Contrat Naturel» de Michel Serres, podemos suspeitar que o homem foi uma péssima novidade para a Natureza. Mas o filósofo relativiza essa conclusão apressada, já que o homem é uma espécie de entre muitas outras, que compõem a biodiversidade da Terra. É certo que desde o Neolítico que as leis humanas entram em contradição com as da Natureza, mas muitos dos que falam sobre, ou em favor da Natureza, são, frequentemente, citadinos, que lembram o anti-herói de «A Náusea» de Sartre quando, sentado num banco, olha para uma raiz e, estupefacto, questiona-se sobre o que é ela é realmente.
Esquecemo-nos que, até 1850, só 8% dos seres humanos habitava em cidades, pelo que o conhecimento da Natureza era neles, muito mais aprofundado do que, agora, em que essa percentagem ascendeu a 52%.
O quadro que Goya pintou nas paredes da sua casa - “Duelo a garrotazos” - constitui uma boa metáfora do que se passa com o homem e com a Natureza: dois homens enfrentam-se com violência, um deles visivelmente ensanguentado, e nós somos tentados a questionarmo-nos: qual deles sairá vitorioso dessa batalha? E, no entanto, o mais determinante situa-se um pouco abaixo, já que eles estão mergulhados até aos joelhos, em areias movediças em que se começam a afundar. Poder-se-á daqui concluir que, face à Natureza, mesmo aparentando força bruta mais evidente, são os homens quem saem perdedores.
Torna-se assim pertinente ajuizar se a Natureza não se vinga amiúde do mal que os homens causam entre si. Muito embora, na maior parte dessas situações - e o aquecimento global é disso exemplo lapidar! - nós, humanos, somos os fatores de coisas, que se julgávamos serem naturais: a Terra depende de nós, e nós dela. Ou, por outras palavras: dependemos de coisas, que dependem de nós!
Existe pois uma espécie de Frankenstein natural, que o homem criou e que contra ele se vira!
É por isso que, quando ocorre uma catástrofe natural como a das Filipinas na semana transata, os jornais são facilmente tentados a concluir que se trata de uma vingança da Natureza. No entanto, temos exemplos de situações relacionadas com terramotos recentes em que um sismo com grau 7 na escala de Richter causou 57 mortos em São Francisco e 300 mil no Haiti. O que nos leva a concluir sobre quem deveremos considerar como responsável: a Natureza ou os homens, que asseguram elevadas densidades populacionais em zonas onde elas seriam desaconselháveis?
As catástrofes do homem são facilitadas pelo facto de os homens ainda se crerem o centro do mundo, esquecendo-se da legitimidade da Natureza para se assumir, igualmente, como um sujeito legal. O que poderá justificar a alteração da legislação humana de acordo com as contingências decorrentes da sua expressão. A imposição de legislação antissísmica ou a proibição de deixar construir em zonas específicas servem de exemplos práticos de tal necessidade.
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