Em 2012 Claude Lanzmann volta a Theresienstadt para reencontrar Benjamin Murmelstein, a quem já entrevistara para o seu «Shoah», e que fora o derradeiro Presidente do Conselho Judaico desse campo, cuja liquidação evitara nas últimas semanas de guerra, poupando assim muitas vidas.
O título do filme corresponde ao da sarcástica alcunha posta a si mesmo por Murmelstein que, tão só chegado àquele cárcere modelo criado perto de Praga para servir de montra do “tratamento humanitário” dos prisioneiros de guerra, se viu obrigado a cumprir as ordens nazis de escolher quais dos prisioneiros seguiriam para Auschwitz e outros campos da morte. Razão porque, tratando-se de um dos rabinos mais graduados a ter sobrevivido à guerra, Murmelstein chegou a ser acusado de colaboracionista e a passar dezoito meses de prisão na Checoslováquia. A Israel nunca se atreveu a ir por medo de represálias…
Quando o encontrara em Roma, em 1975, Claude Lanzmann surpreendeu-se pelas muitas histórias, que ele tinha para contar. Promovera a emigração de muitos judeus vienenses antes de 1940, estivera na criação do primeiro e falhado «campo modelo» na Polónia, vivera horrores em Theresienstadt e fora alvo de ódios insanos no pós-guerra.
A entrevista de então ficara por utilizar, porque a galhardia e o humor do seu interlocutor não se coadunavam com o tom soturno de «Shoah». Razão para voltar a ela tantos anos depois, Tanto mais que Murmelstein continua a ser um notável contador de histórias e mantém a lucidez de quem sabe ter sido uma marionete dos nazis. Quanto à «banalidade do mal», que Hannah Arendt identificara em Adolf Eichmann, só lhe merece uma gargalhada de ironia: conhecera pessoalmente o «zeloso» organizador dos comboios da morte e não lhe vislumbrara essa desculpabilizadora mediocridade servil. Pelo contrário conhecera-o como um homem perverso, fanático, arrivista e violento.
Se Lanzmann começa a entrevista com alguma desconfiança, depressa se sente dele cúmplice. Porque observa um homem que, colocado em circunstâncias extremas, nunca abdicara do seu humanismo.
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