Albert Camus publicou a usa primeira obra em 1937, em Argel: «L’Envers et l’Endroit». Trata-se da recolha de cinco ensaios, que tanto contam histórias, como evocam reminiscências, sem esquecer as correspondentes considerações morais ou líricas.
Consegue uni-los uma mesma consciência subjetiva e sensível - a do narrador - quer ela assuma a primeira, quer a terceira pessoa do singular. Por outro lado os temos evocados, ou até sugeridos, estão presentes em todos esses ensaios: a infância, a ligação à mãe, a vida, a morte, a solidão, a estranheza, a velhice, a beleza dos cenários naturais. Em suma, tudo o que compõe um mundo de pobreza e de luz, numa mesma tonalidade, ora irónica, ora nostálgica, ora febril.
«L’Ironie» é o primeiro ensaio do livro e propõe uma cena da vida quotidiana: uma idosa abandonada para se ir ao cinema, o que suscita má consciência por se a saber condenada à solidão, à noite, a um deus que a deixou de confortar.
Segue-se o retrato de um velho a quem já ninguém presta atenção e, por isso mesmo, condenado ao silêncio, à solidão, ao medo suscitado pela aproximação da morte.
A terceira história de «L’Ironie» é autobiográfica, descrevendo as dificuldades da infância a contas com uma avó prepotente.
A infância também está no fulcro de «Entre oui et non», evocação admirável , púdica e dolorosa do que une um filho à respetiva mãe, apesar dela se manter silenciosa e indiferente.
«La Mort dans l’âme», igualmente autobiográfica, relata a viagem até à Europa Central. Praga surge como um espaço mítico, que suscita estranheza e angústia. A descida para Itália, com as suas paisagens mediterrânicas, revela-se um verdadeiro renascimento.
«Amour de vivre» é o relato de uma breve passagem por Palma, servindo de pretexto para alguns simbolismos e uma conclusão: não há amor pela vida sem desespero por viver, uma crença de que Camus jamais abdicará. A exemplo do que ocorrerá com a descoberta revelada no último dos ensaios do livro e cujo título a reflete: «Tout mon royaume est de ce monde».
As pequenas histórias e vivências são, pois, o suporte de um pensamento e de um estilo, que serão a sua marca.
Quando estes textos se reeditaram, em 1958, Camus escreveu um prefácio elucidativo em forma de balanço e que atualiza a sua tese sobre a conceção da criatividade e do autor. Define-se, então, como um artista apostado em criar uma linguagem e devolver a vida aos mitos, ao mesmo tempo que confessa ter desejado reescrever esta obra focando-o em torno do admirável silêncio de uma mãe e do esforço de um homem para encontrar uma justiça e um amor capazes de equilibrar esse silêncio.
Camus reconhece assim o que ele próprio e os seus futuros biógrafos nunca deixarão de sublinhar: a importância que a infância e adolescência vieram a representar na sua vida e obra.
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