E se a pequena Conchita não tivesse morrido? Talvez a arte do século XX tivesse sido diferente do que foi! Mas, a 10 de janeiro de 1895, Conchita Picasso, uma das irmãs mais novas de Pablo Picasso, morreu de difteria na Corunha, com apenas oito anos.
Pablo estava, então, com treze anos e mostrava uma notória vocação para o desenho, mas ainda não sabia bem o que quereria ser. Mas, na altura, perante a iminência daquele desiderato, lança um desafio ao Céu: sacrificará o seu talento e renunciará a ser pintor se a irmã se curar!
Quando ela morreu, Pablo Picasso terá conhecido uma espécie de visão mística: fica convencido em como o destino o predestina para ser pintor, de acordo com uma decisão superior, quase divina. É o que conta Olivier Widmaier Picasso, neto do artista e autor do «Portrait intime» do seu avô.
Para ele, esse acontecimento fundador coloca Pablo Picasso num patamar acima de todos os demais humanos, conferindo-lhe também um certo fatalismo. Foi uma forma de, durante toda a vida, ele nunca ter tomado a iniciativa, acedendo ao que o destino lho ditasse. Pablo costumava dizer: Tudo vem por si, inclusivamente a morte!
Após o desaparecimento de Conchita, Pablo sente-se investido de uma missão, que o tornará no inventor da arte moderna do século XX.
Uma criança para presidir ao seu futuro, mulheres para o acompanharem em todas as suas experimentações artísticas, e novamente crianças para exaltarem a sua alegria de viver e encontrar consolo quando, fatigado, costumava sair do seu atelier.
Uma das qualidades deste retrato do artista enquanto homem apaixonado, vibrando de paixão pela arte e pelas mulheres, é a de misturar a vida intima do mestre com a sua criação.
Com uma prosa bastante colorida, Olivier Widmaier Picasso conta as diversas ligações amorosas de Pablo.
Entre elas a esposa Olga Khokhlova, que lhe dá um filho, Paul (o único, que ele poderá reconhecer, porque os demais surgirão fora da instituição do casamento e o divórcio era, então, proibido na lei espanhola!), Marie-Thérèse Walter, que engravidará de Maya, a mãe de Olivier, e as companheiras dos anos de maturidade, Françoise Gilot com quem terá Claude e Paloma, e Jacqueline Roque que o acompanhará até à morte.
Picasso morre em 8 de abril de 1973, com 92 anos.
Eu tinha então 10 anos, recorda-se Olivier. A minha mãe contara-me algumas recordações. E em casa tínhamos desenhos e esculturas.
Em adulto, Olivier Picasso sente uma enorme vontade em ir à procura desse avô genial, descobrindo o homem por trás do artista, sempre obcecado pelo desejo de criar, mesmo arriscando perder quem o amava e a quem parece às vezes devorar como se fosse uma espécie de rei sol.
Sim! Picasso não era fácil! Mas, no seu lugar, quem o seria?
Não se tratava de um sádico, apostado em fazer mal a quem o rodeava! Simplesmente sempre privilegiou o seu atelier e a sua tranquilidade enquanto criador. Mas esquece-se frequentemente, que Picasso também adorava brincar com as crianças, como o comprovam as fotografias, que me foram confiadas.
O livro está enriquecido com as fotografias íntimas de Picasso e dos seus familiares, e mistura desenhos, pinturas e esculturas (algumas delas quase desconhecidas por permanecerem na posse da família do artista!) e revela até que ponto a arte do mestre se alimentou com as suas paixões, encontros e revoltas enquanto o século ia decorrendo.
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