Será que vivemos numa sociedade corrupta, em que as desigualdades conhecem uma agudização irreversível? Estaremos condenados a sobreviver num tipo de modelo capitalista em que o enriquecimento de uma minoria, cada vez mais exígua, implica a pauperização forçada da enorme maioria com a perenização da receita austeritária, de que Passos Coelho se fez fiel sacerdote?
Foram estas as questões ontem em equação no debate promovido pela Associação Gandaia da Costa da Caparica, onde os contributos foram muito diversificados.
Numa síntese breve do que defendi, alinho aqui um a parte da minha intervenção em quatro pontos:
1. estamos tão pressionados pelos acontecimentos da atualidade, que tendemos a esquecer que ela está em constante mudança e aquilo que hoje parecem certezas, passam a não o ser com a dinâmica dos vários interesses, que se contradizem a cada momento. Por isso aquilo que é a conjuntura presente depressa muda para outra com potencial para se revelar completamente diferente.
2. utilizando a ferramenta de interpretação facultada pelo marxismo e no que nele significa o materialismo dialético - ainda que necessariamente atualizado por tudo quanto nele se validou e depreciou - não é difícil considerar que essa mudança de conjuntura decorrerá sempre da omnipresente manifestação da luta de classes. E hoje ela já não se caracteriza pela dicotomia proletariado / burguesia, ainda que continue a fazer sentido em sociedades subdesenvolvidas, mas na contraposição dos interesses de todos quanto têm um emprego mais ou menos precário (ou seja de todos quantos trabalham!), ou um pequeno negócio, face aos de quantos lucram e pretendem continuar a lucra com a financeirização da economia. No meio deles os desempregados ou colar-se-ão aos primeiros ( e esperemos que sejam a maioria) ou facilitarão a vida aos segundos, como se tem visto com a ascensão da extrema-direita em vários países europeus.
3. ao contrário do que muitos querem acreditar o capitalismo não está para morrer ao virar da esquina. Já estando no seu crepúsculo tudo fará para prolongar o mais possível esta fase entre «cão e lobo», que o tem caracterizado nos últimos cento e cinquenta anos. Ele nem morreu como Marx predissera como corolário lógico do desenvolvimento das sociedades mais avançadas do seu tempo. Nem quando Lenine caracterizou o comunismo como o somatório do capitalismo mais a eletricidade. Nem quando Estaline viu a possibilidade de constituir o imperialismo a fase derradeira do capitalismo. Nem enfim quando, cinicamente, Mao aventou, que mesmo tudo acabando com um apocalipse nuclear e a consequente extinção da vida humana na Terra, isso pouca importância teria no conjunto do Universo.
4. nalgumas das intervenções mais esperançosas do debate houve quem defendesse os benefícios que a Internet e os recursos informáticos em «open source» facultariam para uma maior democratização do conhecimento, e com ele da sociedade em que vivemos. Não foi dito, mas seria assim como que um espécie da reatualização daquela atrás referida visão leninista, mas com o picante de uma nova sociedade resultar da soma do capitalismo com as novas tecnologias. Não enjeitando essa possibilidade, a questão que se me levanta é se não residirá precisamente nessa via a válvula de escape pela qual o capitalismo, vencida a presente etapa da financeirização, não encontra uma nova vida num tipo de sociedade onde manterá as suas características: a exploração da maioria da população para proveito da minoria, que continuará a deter os meios de produção…
Neste texto ainda estive longe de esgotar o que ontem foi dito ou ficou por dizer. Aliás, ao fim de quase duas horas e meia de debate a conclusão foi óbvia: ele estava longe de se considerar esgotado. Por isso mesmo irei continuar em textos posteriores a aprofundar o tema.
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