Num texto muito interessante, inserido no «Público» de hoje e intitulado «Assis e o fascínio pelo centro-direita», Alfredo Barroso diz muito do que eu próprio sinto como velho militante de um Partido, que vejo enfim regressar à sua matriz de esquerda, depois de andar anos a fio enredado nas ilusões da Terceira Via. Aquela que desprezava a orientação original, que pressupunha definitivamente ultrapassada.
A verdade é que, até mesmo dentro do próprio Partido Socialista se ouviam vozes a reiterar as barbaridades proferidas por alguns gurus na moda, segundo as quais as ideologias tinham deixado de fazer sentido e, como tal, as próprias diferenças entre a esquerda e a direita.
Para os defensores do statu quo, que muito jeito dava a mistura de todo o «arco da governação» num enorme caldeirão ideológico, o poder era distribuído entre amigos à custa da marginalização da esquerda - crismada de radical e extremista - e do sindicalismo entendido como fonte do atraso da economia portuguesa, insuficientemente “flexível” (nos despedimentos, nos direitos laborais) para competir em preço com os novos tigres asiáticos.
Já em 1998 Assis era, no dizer de Barroso, “um soberbo monumento ao vazio ideológico e uma peça lapidar da retórica política pós-moderna, em que a banalidade redonda e o lugar-comum pomposo se davam as mãos para cobrir a nudez forte da verdade com o manto diáfano da fantasia. No fundo, o que Francisco Assis então pretendia, e continua a pretender, é tão-só revestir com uma roupagem teórica de pacotilha o pragmatismo político sem princípios, o governo de navegação à vista, a tática do compromisso sistemático com a direita e a estratégia da abdicação permanente.”
Quem lê as crónicas de Assis neste ano de 2016 constata essa mesma preocupação em alinhar uma conversa fiada, feita de frases pomposas, para justificar a sua aversão a qualquer alinhamento à esquerda e o apoio a políticas cujos beneficiários só ele imagina serem esses portugueses de classe média cada vez mais convencidos de nada terem a ganhar com as que só interessam aos especuladores financeiros e encararem com expectativa os ganhos prometidos por um Tempo Novo apostado na redistribuição dos desiguais rendimentos.
No que me custa dar razão a Barroso é na associação de José Sócrates - de que continuo assumido apoiante devido às políticas visionárias empreendidas pelo seu governo! - a Assis e a Seguro como exemplos de “jovens velhinhos” que teriam saltado diretamente do berço para a gravidade do Estado. Mas em relação a estes dois representantes do que o Partido Socialista mantém de cheiro a mofo nas suas hostes não tenho qualquer dúvida em subscrever o acerto do diagnóstico do antigo chefe da Casa Civil de Mário Soares em Belém: “Ou seja, sem terem passado sequer pela inquietação natural dos anos da juventude e pela irreverência de um qualquer protesto político radical. Independentemente do grau de competência que cada um deles tivesse ou deixasse de ter no desempenho dos seus cargos, a verdade é que rapazes assim tão certinhos e aprumados, jovens velhinhos a transbordar de sentido de Estado, me pareciam já autênticos políticos de plástico. Do género daqueles que raramente têm dúvidas e nunca se enganam — ou que já renunciaram a falar com o coração por julgarem ter sempre razão.”
Ou os argumentos complementares que os davam como reclamantes, tal como a direita, de “‘disciplina’ no trabalho e nas empresas, ‘segurança’ nas ruas, ‘estabilidade’ no poder e ‘maioria absoluta’ nas urnas. Não conseguiam disfarçar que o objetivo essencial era conservar o poder — e depois logo se veria se surgiriam novas ideias para justificar velhas políticas.”
Saudando a mudança ocorrida no PS e posicionando-se hoje como um independente de esquerda mais próximo do Bloco de Esquerda, com cujas políticas, mais se identifica, Barroso considera histórica, positiva e corajosa a atual orientação socialista. Onde, acrescento eu, a nova geração - a de Pedro Nuno Santos, João Galamba, Isabel Moreira ou Fernando Medina - nada tem a ver com aquela geração de plástico, que quase descaracterizou o Partido.
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