quinta-feira, 2 de junho de 2016

Os inconvenientes de nos aceitarmos como meros consumidores

Nem de propósito: no debate da Gandaia, sobre que aqui escrevi ontem, abordei a iminente transição do capitalismo para uma nova fase, que manterá poucas similitudes com a sua mais recente fase neoliberal e de clara financeirização das eonomias. Ora a «Visão», que hoje sai para as bancas, dedica o seu tema de capa à sociedade do futuro próximo em que os empregos serão escassos, e todos os principais setores produtivos descartarão a mão-de-obra menos qualificada para a substituírem por robôs ou outros equipamentos automatizados.
Podemos indignarmo-nos com os aspetos mais sinistros da presente fase capitalista, que agudizou significativamente as diferenças de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres. Não devemos é deixarmo-nos levar pela nova ilusão com que o sistema económico baseado na exploração dos que nada têm de seu a não ser a força do seu trabalho, pelos que detém o conhecimento e os meios produtivos, irá embalar-nos.
É que na sua próxima fase o capitalismo pretenderá aprofundar aquilo que já conseguiu nas décadas mais recentes com o acesso massificado aos hipermercados e aos centros comerciais: a transformação dos Cidadãos em consumidores. Porque, impossibilitado de partir à conquista de mais mercados, que os limites da globalização já restringiram ao nosso planeta - para azar dos capitalistas não existe ainda forma de partir para novas rotas comerciais para Marte ou para fora do Sistema Solar! -, a única possibilidade de assegurar a sua sobrevivência será potenciar ao máximo o número de consumidores a quem possa vender mercadorias ou serviços.
Explicam-se assim os estudos, que alguns já querem ver traduzidos na prática - os suíços já se pronunciaram em referendo sobre o assunto e, entre nós, o PAN já verbalizou a intenção de lançar esse mesmo debate! - de um rendimento mínimo garantido a qualquer cidadão, independentemente de desenvolver ou não uma atividade remunerada.
Houve quem à esquerda batesse palmas por essa verdadeira Utopia em que a maioria da população não se preocuparia com o facto de ter empregos disponíveis para sobreviver, porque a sociedade assegurar-lhe-ia o rendimento suficiente para ter uma qualidade de vida razoável.
E no impulso dessas mesmas ilusões houve quem relacionasse essa utopia com a sua viabilização através da proposta de Thomas Piketty no seu livro «O Capital do Século XXI». É que, para assegurar a sobrevivência do regime de exploração, que lhe garantirá a preservação dessa propriedade dos meios de produção, os capitalistas não se importarão em pagar mais impostos - até tendo em conta que os custos com mão-de-obra se terão reduzido ao mínimo com essa revolução tecnológica! -, tão-só lhes seja garantida a paz social necessária à prossecução dos seus negócios.
Teríamos, assim, uma sociedade em que a maioria da população gastaria os dias entre o consumo de bens tangíveis e o lazer em espetáculos acéfalos, que desse uma nova dimensão ao que costumávamos designar como alienação de massas.
Tenho aqui dito e redito, que as coisas não continuarão a ser como são. A realidade tem-se acelerado de tal forma, que os impossíveis de ontem, transformam-se rapidamente em realidades do dia de amanhã.
Tenhamos, pois, alguma lucidez quando queremos ver no capitalismo apenas a sua faceta atual de cunho mais austeritário, porque se, de súbito, nos virmos condicionados por um discurso radicalmente oposto, poderemos pensar que, afinal, ele consegue-se regenerar de forma a garantir a felicidade das populações, quando ele apenas muda o acessório para que o fundamental fique na mesma.
Ora nós, que pretendemos uma sociedade radicalmente diferente, mais justa, livre e igualitária, deveremos antecipar as cartadas de quem a nos quer sonegar e agir o mais eficientemente possível para lhe trocar as vazas.

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