O país andou a viver nas semanas mais recentes uma das mais fúteis discussões dos últimos tempos a propósito das 35 horas. Porque, se a esquerda plural cuidou de reverter uma medida que, já sem qualquer justificação, nem estudo fundamentado, a direita tomara, apenas porque constituía mais uma batalha na sua reiterada guerra contra os funcionários públicos, esta última insiste em algo que não levará muito tempo a considerarmos obsoleto.
Num artigo do «Expresso» da semana passada o atual diretor do Instituto Superior Técnico abordava a quarta revolução industrial já em curso e cujos efeitos não tardarão a impor-se no nosso quotidiano. É que milhares e milhares de empregos, que ainda parecem hoje fazer sentido, desaparecerão a muito curto prazo com a concretização de algumas recentes inovações tecnológicas: “Com a utilização de técnicas de inteligência artificial, na próxima década será possível usar computadores para conduzir autonomamente veículos, para efetuar cirurgias, para responder a chamadas telefónicas, para escrever notícias nos jornais, para substituir os professores e até mesmo para criar produtos que, até agora, exigiam criatividade e inovação, como obras de arte, livros e músicas. Todas estas aplicações foram já demonstradas e encontrarão mercados significativos nas próximas décadas.”
Mas, na realidade, a questão não é assim tão nova porque, há uns oito anos, visitei uma fábrica no Alto Minho - e quando assim o identifico é mesmo aquele tipo de lugar no Portugal profundo onde se chegava por vias estreitas e em macadame, em vez de alcatroadas - onde teria de preparar uma proposta para a alteração do Sistema de Ventilação e Refrigeração da respetiva nave.
Era quase hora do almoço, cheguei ao portão e o vigilante mandou-se entrar indicando-me a porta onde poderia encontrar o Diretor incumbido de me transmitir os requisitos pretendidos.
Franqueio a porta em causa e vejo-me perante centenas de robôs em plena atividade, a produzirem moldes para automóveis da Mercedes e de outras marcas alemãs.
Via, pois, uma fábrica a funcionar em pleno, e apenas com um engenheiro a controlar toda a produção a partir dos dados que ia visualizando no computador.
Tendo já a experiência de conhecer a Autoeuropa, onde os robôs não deixavam de estar acompanhados de alguns operários, que com eles interagiam, fiquei estupefacto perante a quase inexistência de mão-de-obra ali constatada.
Em décadas passadas, quantos operários e encarregados estariam comprometidos na produção de componentes para a indústria automóvel? Muitas dezenas, senão mesmo centenas. E, no entanto, ali em pleno Minho profundo, aquela fábrica tinha-os totalmente descartado.
Estamos, pois, perante a iminência de uma alteração civilizacional em que as forças políticas terão de se adiantar preventivamente à incontornável realidade, que não tarda: o desaparecimento de empregos para a grande maioria dos cidadãos.
Como o reafirma Arlindo Oliveira no artigo citado “pela primeira vez na história da humanidade, uma revolução tecnológica irá criar sistemas que podem substituir pessoas na esmagadora maioria das tarefas, se não em todas. A automação que será permitida pelos sistema de inteligência artificial de nova geração permitirá tornar praticamente todos os negócios mais eficientes, e aumentar a sua competitividade. Porém, isso será conseguido às custas de uma diminuição gradual, mas sistemática, do número total de empregos. Não teremos, simplesmente, empregos para todos, porque a maior parte dos trabalhos serão feitos por máquinas, computadores e robots. As taxas de desemprego que observamos na Europa, e que teimam em não descer, são provavelmente estruturais e não conjunturais. Não voltaremos, com certeza, às taxas de desemprego de um dígito que tivemos no século passado.”
O que fazer então? Taxar as empresas, já não de acordo com o volume de mão-de-obra que empregam, mas em função do seu volume de vendas, parece-me óbvio e já deverá começar a ser praticado o mais depressa possível para evitar grandes distorções entre empresas de utilização intensiva de mão-de-obra, mas de lucros limitados, que são fortemente taxadas e as que quase não precisam de recursos humanos e cujos impostos são uma ninharia comparativamente com os seus lucros.
Mas há também que reduzir os horários de trabalho de forma a distribuir o número de empregos disponíveis pelos que neles se querem realizar. Por isso bem pode a direita reclamar as 40 horas para todos, que não faltará muito para que uma das formas de evitar grandes conflitos sociais devido ao excesso de desempregados, passará para semanas de 30 ou 32 horas.
E há, igualmente, a solução referendada pela primeira vez na Suíça no último fim-de-semana, e em que se distribui um rendimento fixo por cada pessoa, de forma a garantir-lhe a sobrevivência com um mínimo de dignidade. Uma proposta que passa a dividir a sociedade em três tipos de classes: a dos donos das empresas, que usufruirão de um nível de vida bastante privilegiado. A dos que têm um emprego e vivem desafogadamente. E a dos que, não conseguindo ocupação, se limitarão a ser consumidores, mesmo que num estilo de vida pouco acima dos atuais padrões de pobreza.
No domingo os proponentes dessa proposta estavam à espera de 15% de votos favoráveis e já embandeiraram em arco com 23%. E sabem que, a partir de agora, será sempre a subir até tornarem vinculativa essa perspetiva pelo poder político. É que, ultrapassada a presente fase neoliberal, o capitalismo só sobreviverá neste ambiente de quarta revolução industrial se avançar para essa alternativa: a de transformar os Cidadãos em consumidores conformados com a impossibilidade de acederem a um qualquer elevador social.
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