Por muito que haja quem queira negar a bondade da alteração estratégica do Partido Socialista, confirmada neste XXI Congresso, ela tem vindo a ser confirmada pela estabilidade governativa e pelas circunstâncias conjunturais que a tornaram na mais adequada aos desafios suscitados pela crise em que o país mergulhou depois da que teve os EUA como epicentro em 2008.
Na sua crónica semanal do «Expresso» ao fim-de-semana, Daniel Oliveira tem uma leitura, que considero particularmente arguta dessas mudanças de contexto, que justificaram a declaração de óbito ao chamado «arco da governação». Mas, porque ela passou quase despercebida não se vendo reflexos dessa análise, a ela volto na esperança de a tornar mais extensiva no conhecimento de quem mais interessa: os apoiantes desta solução de governo, qualquer que seja o seu posicionamento particular em relação às quatro componentes partidárias nela representadas.
No referido artigo identificam-se quatro razões principais para justificar os entendimentos, que se faziam ao centro até há bem pouco tempo e afastavam o Partido Socialista dos outros três mais à esquerda. Acreditava-se que:
1. era possível conciliar o Estado Social com a economia de mercado;
2. a luta de classes poderia diluir-se na mais pacífica concertação social;
3. a Europa tenderia a caminhar para a convergência económica e social entre os Estados;
4. uniam todos os Estados a oposição ao bloco soviético;
As três últimas razões eram as que distanciavam os socialistas dos comunistas e dos partidos, então pejorativamente classificados de “extrema-esquerda”.
Mas tudo mudou: “Como se tem visto na polémica em torno dos contratos de associação, a agenda da direita passa por criar um mercado privado de serviços públicos de saúde, de educação e de segurança social financiados pelo Estado. O que é a negação daquilo em que qualquer social-democrata acredita.”
O governo de Passos Coelho foi esclarecedor quanto ao seu projeto em privatizar tudo - saúde, educação, segurança social - em nome da demagógica “liberdade de escolha”, reduzindo o Estado ao mínimo de recursos humanos possível e mantendo impostos elevados para com eles financiar escolas, hospitais e instituições mais ou menos «misericordiosas», que engordariam os seus lucros à conta dessa generosidade estatal e funcionariam como lóbis de apoio à direita, esperançada em manter-se no poder «por mil anos», como pretendia Hitler, sob a promessa de os continuar a financiar.
Quem viu a manifestação de contestatários à porta do Congresso do PS, pôde antever o que seria o cenário distópico futuro se o atual governo não o inviabilizasse.
Os socialistas também puderam perceber o que esteve subjacente à tentativa de matar o sindicalismo através da desregulação das leis do trabalho e da imposição de uma concertação social, que apenas culminasse em acordos à medida dos interesses dos patrões em vez de os obrigar a sujeitar-se à defesa dos interesses de quem trabalha.
Tornou-se também claríssima como água a evolução suscitada pela imposição do euro, com uma maior divergência entre a riqueza dos países do Norte e os do Sul da Europa, com os povos a alimentarem preconceitos e ressentimentos entre si, em vez da prometida convergência solidária.
E, quanto ao Bloco soviético ele deixou de existir, já não alimentando nem mais receios nem fantasmas com eles relacionados.
Hoje pode concluir-se que, ao contrário do que supõe Francisco Assis, “os socialistas deixaram de ter qualquer ponto de convergência com a direita. E se não querem ficar a carpir as mágoas pelas derrotas das últimas duas décadas têm de passar à ofensiva e encontrar entre alguns adversários do passado os seus novos aliados.”
Para quem andou anos a ouvir discursos anticomunistas, quantas vezes de um primarismo aflitivo nas reuniões das secções locais do Partido Socialista, tornou-se uma agradável novidade ver que a atual convergência foi facilmente conseguida e interiorizada pela maioria dos seus militantes, sendo cada vez mais raros os que ainda evocam as cenas de violência do pós-25 de abril. Melhor ainda é sentir que existe hoje um orgulho na reafirmação de sermos socialistas e de esquerda, sem aquelas comprometidas profissões de fé num inexistente «centro-esquerda».
Vivemos, pois, tempos novos e sem dramatismos, porque como diz Daniel Oliveira “a política sempre se fez destes encontros e desencontros, dependentes das circunstâncias da história.” E o que tem de ser tem muita força.
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