Há já quem ande a dizer-se sem paciência para ouvir falar no Brexit apesar de só ter passado um dia sobre um resultado, que deixou a libra esterlina no valor que tinha há trinta anos, e um autêntico tsunami a varrer os mercados financeiros a nível mundial.
Convenhamos que entre o Europeu de futebol e o referendo britânico, causador de tão sérias preocupações nos burocratas de Bruxelas, prefiro claramente este último tema. Até porque, além de prometer tempos muito interessantes nos próximos meses, também vai revelando uma das características mais importantes da ação política: a irresponsabilidade de muitos dos seus atores. Nesta altura já está mais do que evidenciada a falta de um qualquer plano B, quer por parte da Comissão Europeia, quer no respeitante aos vencedores da contenda, agora subitamente confrontados com a realidade, que diziam ter desejado.
No dia de hoje as televisões já mostravam entrevistas com alguns votantes do «Leave» que, apercebendo-se tarde de mais das consequências possíveis do sucedido, já expressavam o arrependimento de se terem deixado levar por uma campanha que se virará, quase por certo, contra os seus interesses.
Parece-me óbvio, que todos pretendiam uma vitória do “Remain” muito à justa, que serviria a estratégia comum: Cameron poderia aspirar a manter-se em Downing Street, sempre a acenar à Europa com as exigências de um povo muito eurocético, que precisaria de ser cativado pelas cedências de Bruxelas. Os burocratas da organização poderiam manter a sua linha de conduta tal como a têm assumido, porque, no fundamental, nada teria mudado e o austericídio dos povos do sul poderia prosseguir em proveito dos do Norte. Farage conseguiria manter o excelente emprego no Parlamento Europeu e prosseguir com a sua retórica inconsequente. E Boris Johnson conseguiria de Cameron uma entrada em grande no reciclado governo conservador, preparando com tempo a sucessão daquele.
O mais incomodado de todos parecia ser Corbyn, que não morria de amores pela União, mas constatando a passagem de muitos antigos eleitores dos trabalhistas para o UKIP, precisava de criar uma linha vermelha diferenciadora, clarificadora quanto a quaisquer possibilidades de confusão entre o seu posicionamento à esquerda e o discurso da extrema-direita.
O eleitorado a todos terá pregado uma enorme partida. Cameron foi obrigado a demitir-se e poderá ficar para a História como o primeiro-ministro, que deu a machadada final no que restava do antigo Império com as possíveis dissociações da Escócia e da Irlanda do Norte e a maioria da Commonwealth a acompanhar o grito de Ipiranga já manifestado pela Nova Zelândia. No limite até poderá ser responsabilizado pelo fim da monarquia inglesa, porque, entrando-se num período de completa imprevisibilidade, até a própria natureza do regime poderá ficar em causa se a crise subsequente estilhaçar os mais arreigados paradigmas.
Farage dificilmente conseguirá novo e tão privilegiado emprego, como o que detém no Parlamento Europeu, a menos que o seu UKIP suba muito mais do que os já excecionais resultados conseguidos nas últimas eleições europeias, porém insuficientes para o fazer chegar ao Parlamento inglês quando para ele foi a votos.
Johnson poderá ter perdido a oportunidade de vir a ser primeiro-ministro, porque já se agitam as vozes, que o dão como impreparado para o lugar e a apostarem na atual ministra do Interior, Theresa May, que nesta batalha, nem se comprometeu com um lado da trincheira, nem com o outro.
Resta a Comissão Europeia e as demais instituições associadas a uma União sentida como fragilizada na sua capacidade para se renovar. E o que se irá passar nos próximos dias confirma o vício de Merkel considerar-se como a imperatriz não designada da organização, fazendo convites a apenas alguns parceiros para com eles conjugar as diretrizes, que pretenderá impor no Conselho Europeu da próxima semana. Como metodologia democrática, continuamos a estar conversados.
Resta uma única boa notícia para os portugueses: com os cenários catastróficos agora anunciados, quem continuará a atrever-se a impor sanções aos governos ibéricos?
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