quarta-feira, 29 de junho de 2016

O rigor como estilo

A longa entrevista a Mário Centeno, hoje inserida na edição do «Público», é uma excelente peça jornalística não só por demonstrar o rigor e a exigência de orientar o exercício do cargo com o estrito respeito do interesse público, mas também para comparar o estilo do ministro com o dos seus antecessores.
Lembremos, em primeiro lugar, Vítor Gaspar. Tratava-se de um craque, no dizer dos que o diziam conhecer e enalteciam a sua “contratação” pelo governo de Passos Coelho. Os jornais económicos estavam rendidos à sua magia, que iria tirar o país da “bancarrota” em menos de nada. Pudera! Se ele integrava os gurus da receita austeritária, que nos iria curar da “doença despesista” e tornar-nos tão poupados e eficientes como os alemães!
Viu-se o resultado: aos primeiros sinais do falhanço do plano tão acarinhado por schäuble (a quem, como sabemos, se curvava sem pudor!) Gaspar avançou para o  «enorme aumento de impostos». E, para não se comprometer mais com o fiasco, quis sair o mais rapidamente possível aproveitando para tal a grande manifestação de setembro de 2012, que quase significou o k.o. de Passos Coelho.
Seguiu-se Maria Luís, que nada de significativo fizera na vida até então, porque fora medíocre professora numa universidade menor e só servira de espia do partido na Direção Geral do Tesouro durante o governo de Sócrates, que tudo tentava para não a deixar aceder a matérias relevantes.
Economista sem mérito e espia demasiado óbvia para causar grandes danos, ela guardou-os para a sua passagem pelo Ministério das Finanças, onde os sucessivos falhanços foram sendo medidos pelos orçamentos retificativos a que foi obrigada a recorrer ano após ano. Sem que os josésgomesferreiras desta vida lhe atenuassem a veneração, eis que tudo quanto dizia num mês logo se via desmentido nos seguintes. Mas a pior herança, que deixou foi a do calamitoso sistema financeiro expressa na falência do BES, só possível com a sua subserviente complacência com a família Espírito Santo, ou a subsequente crise do Banif causada  pela falta de coragem em resolver atempadamente os problemas.
Temos, pois, Mário Centeno com essa pesada herança e um estilo completamente contrário. Porque representando a idoneidade em pessoa, ele transforma a entrevista naquilo que Feynman definia como a definição de quem sabe muito bem aquilo que diz: é que até a avó de Pedro Sousa Carvalho (um dos mais émulos do “economimista” da SIC no jornal da Sonae) pode entender a abordagem do ministro quanto à situação das Finanças Públicas. E, apesar delas estarem condicionadas por dificuldades externas (o Brexit, as crises em Angola e no Brasil, a contenção chinesa) a sua caracterização do estado das coisas é otimista, desmentindo o título alarmista da primeira página do jornal.
À partida Centeno desvaloriza a tentação de se passar o tempo a fazerem-se previsões pouco fundamentadas, sobretudo se consideradas as conhecidas das mais diversas proveniências: “Se tivesse de fazer [projeções] todas as semanas, todas as semanas tinha de as rever. Qual é a dimensão importante para o Governo? Há duas. A primeira é que, apesar das revisões em baixa, as projeções que existem para a economia portuguesa continuam a apontar para uma aceleração da economia ao longo do ano.”
A confiança de Centeno até se consolida com o facto de conhecer dados das alfândegas do mês passado, que apontam para uma recuperação do crescimento das exportações: perante as dificuldades apresentadas por alguns mercados, os exportadores portugueses estão a reorientá-las com sucesso para outros fora da União Europeia.
A tendência da economia é a de um crescimento mais acelerado, mesmo que ainda insuficiente, em relação ao princípio do ano, mas sem comprometer a execução orçamental em linha com os objetivos “quando olhamos para a despesa, temos uma execução que é melhor do que aquela que temos projetada para o ano. Temos os salários e as despesas com pessoal, mas também contribuições a crescer menos do que aquilo que é projetado para o ano, mesmo tendo em conta que há uma aceleração da reversão do corte salarial.”
Bem pode a direita preocupar-se: onde via furacões, tudo se conjuga para que se aproximarem alísios bonançosos.

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