No interessante livro de Fernando Dacosta sobre o ambiente de liberdade, que se viveu no «Botequim» de Natália Correia nos anos em que aí assentou a sua tertúlia, ele evoca um discurso por ela proferido em Viseu durante umas comemorações do 10 de junho em que disse isto: “Quando a crise não é geradora de grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia”.
Ora aí está uma boa definição para os quatro anos, que sofremos com Passos Coelho à frente do governo. Agonia, porque era insuportável. Porque sendo igualmente sinónimo de aproximação à morte, esta foi uma dura realidade para muitos desesperados, que se viram sem nada de positivo em que acreditar. Nesse sentido nunca saberemos quantos crimes por interposta pessoa - a dos que atentaram contra si mesmos como derradeira solução! - deveriam ser verdadeiramente imputados a Passos Coelho e aos seus cúmplices.
É por isso, que sabe bem ter um primeiro-ministro audaz, que não se intimidou com a necessidade de experimentar trilhos novos e neles apostar o seu otimismo. Irritante para uns, mas contagiante para muitos, mas muitos mais!
Há no entanto algo a fazer no domínio da semântica. Se andámos quatro anos a permitir a imposição de uma novilíngua, que chamava “requalificação” ao desemprego , “correções” aos cortes nas pensões ou “medidas temporárias” às que pretendiam ser liminarmente definitivas, é altura de devolvermos às palavras o seu verdadeiro sentido. Por isso mesmo senti focos alérgicos nalguns congressistas socialistas entrevistados pelas televisões, que reagiam com pruridos, quando lhes perguntavam se o Partido Socialista estava a virar à esquerda. Alguns mantinham aquilo que entendiam como prudência de dizer que ele continuava a situar-se ao centro. Ora, podemos sempre defender que o PS está, hoje, posicionado no centro do xadrez político do eleitorado se acrescentarmos ser isso devido à deriva do PSD e do CDS para a extrema-direita já que o seu ultra-neo-liberalismo os empurra para a radicalidade de que a maioria dos portugueses se exclui.
Mas a questão não deve cingir-se a essa resposta simples para uma pergunta, que os entrevistadores pretendem capciosa. É que, durante décadas a direita andou a querer apossar-se da terminologia da esquerda por julgar assim mascarar-se com pele de cordeiro para melhor agir como lobo.
Muitos dos partidos sociais-democratas formados na Europa ao longo do século XX não decorriam das propostas ideológicas de Kautsky ou de Bernstein, que provavelmente desconheciam, mas do oportunismo de irem à boleia de conceitos com os quais nada tinham a ver.
Em 1974 tivemos disso um bom exemplo, quando o então PPD se considerava como um partido defensor do socialismo e por isso até tratou de querer mudar o nome para PSD como forma de tentar, infrutiferamente, a entrada na Internacional Socialista.
Foi com a queda do Muro de Berlim, que a direita deixou de se querer ver-se confundida com os conceitos próprios da esquerda e começou a impor a sua novilíngua. Às vezes com grande dificuldade, como se vê em França onde já mudou vezes infindas de nome para acolher sempre as mesmas ideias já muito distantes das do gaullismo, que durante décadas a identificara.
Hoje, depois de constatados todos os males que a direita tem praticado à conta do austericídio, que pretendeu impor aos povos do sul da Europa, é tempo de voltar a ter orgulho em nos dizermos de esquerda e socialistas. Afinal tem sido sob a nossa bandeira, que os maiores benefícios para os povos têm sido alcançados. Como se vê com o Serviço Nacional de Saúde ou a Educação Pública, que foram criados de acordo com a matriz, que os nossos deputados à Assembleia Constituinte impuseram.
Apossemo-nos, pois, da Semântica que nos favoreça atirando definitivamente os vários exemplos de novilíngua, que a direita e os comentadores televisivos por ela inspirados ainda insistem em manter.
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