Quando, com seis anos, cheguei à escola oficial, os professores tinham duas preocupações fundamentais: convencer-nos de que vivíamos num Império muito vasto, estendido por todos os continentes (e o professor Artur, da 3ª classe, até se avermelhava de indignação por os indianos terem acabado de invadir a «nossa Índia»!) e de que tínhamos nos espanhóis os nossos piores inimigos. A época da Ocupação filipina era sentida quase como um opróbrio e os heróis da Restauração eram, com a padeira de Aljubarrota, que enfiara espanhóis no forno quase três séculos antes, os nossos principais ídolos, quase da dimensão dos grandes navegadores do tempo das Descobertas.
Isso fez com que ficasse na minha geração uma indisfarçável desconfiança por tudo quanto vinha de Espanha, muito para além dos maus ventos e casamentos.
Quando, no final da adolescência, comecei a ir passar as férias anuais a França, a passagem de carro pela Espanha era cumprida com a rapidez possível de ainda não existirem autoestradas. Às vezes até escolhíamos partir ao fim da tarde para chegarmos à fronteira de Irún ao raiar da manhã. Até porque Franco ainda andava a garrotear oposicionistas e os polícias espanhóis, com os seus ridículos chapéus, personificavam esse horror.
Só, com o passar dos anos, esse sentimento antiespanhol se foi diluindo, substituindo-se pelo deslumbramento com algumas das suas cidades mais sedutoras. Passar um San Izidro em Sevilha nos finais dos anos 80 contribuiu muito para essa regeneração da imagem dos nossos vizinhos. E poderia dizer o mesmo da descoberta de Barcelona, com os seus edifícios criados por Gaudi e as obras de Miró na sua Fundação em Montjuich, mas convenhamos que não é preciso exagerar nessa revisão de valores, porque continuo a defender o facto da Catalunha não ser Espanha (e já agora nem o País Basco, nem a Galiza) por constituir algo de totalmente distinto de Castela. Ainda assim até a consideração pelos polícias se alterou quando, uma vez, em Aranjuez, nos perdemos nos seus labirintos e um carro de polícia, a quem solicitei ajuda, veio prestimosamente servir de batedor até à saída da cidade.

Esse antigermanismo quase epidérmico só se terá sossegado, quando conheceu Hans Reidt, o tradutor de «Se Isto é um Homem?» para língua alemã, que passara grande parte da guerra na Resistência e tivera comportamento ativo na luta interna contra os nazis.
Mas quem sabe se a mitigação desse ódio larvar não terá contribuído para acentuar em Levi o complexo de culpa de ter sobrevivido ao horror e tenha contribuído para o terrível suicídio a que se entregou em 1987.
Os sentimentos xenófobos, que nomeadamente, levaram esta semana ao assassinato de Jo Cox são muitas vezes mais complexos do que, à partida, podemos crer.
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