A dois dias do referendo sobre o Brexit é curioso que as elites financeiras da City e os burocratas de Bruxelas começam a enfrentar as tempestades, que proporcionaram com os ventos que quiseram semear.
O que leva os ingleses a pensar com o coração e não com a carteira, apesar de nove em cada dez economistas alertarem para o prejuízo subsequente a uma presumível decisão de saída, é o resultado da política austeritária, que levou o governo conservador a fazer cortes significativos nas escolas e nos hospitais públicos. Não admira que, hoje, os ingleses mais vulneráveis aos discursos xenófobos a eles adiram, quando dão com filas de espera significativas nos serviços de saúde e escolas sobrelotadas para os filhos. Culpar os imigrantes por essa consequência direta do desinvestimento do governo inglês no seu importante Estado Social só aumentou o eleitorado do UKIP.
Mas não só: as mesmas políticas de conseguir «ganhos em competitividade» à custa de manter os salários ao nível de 2009 faz com que muita gente, embora com emprego, não ganhe o suficiente para sobreviver, tendo de partilhar apartamentos com outros na mesma situação e até recorrendo crescentemente à solidariedade social.
Sem perspetivas de verem melhorada a sua qualidade de vida, também esses se mostram vulneráveis ao discurso xenófobo.
Existe, pois, uma enorme diferenciação entre o voto de quem tem diploma universitário e conta entre os trinta e os cinquenta anos, e os dos que perderam o emprego e sabem já não ter possibilidades de o conseguir encontrar, ou os jovens, que nem sequer vislumbram hipóteses de alguma vez virem a enquadrar-se nesse mesmo mercado do trabalho.
Não é apenas, porque o Reino Unido é o 4º maior parceiro comercial de Portugal, que a decisão desta semana influirá nas nossas vidas: ela antecipa o que está mal com a globalização, e precipita um conjunto de desafios políticos, económicos e sociais, para os quais as lideranças europeias não têm sabido encontrar solução.
Sobretudo, quando os burocratas da União Europeia apostam em fazer a vida negra aos governantes, que não se curvam aos seus ditames e insistem em receitas cujo falhanço é mais do que notório, ou dão rédea solta a uma visão belicista da NATO, que fecha as fronteiras russas aos produtos europeus e mantém o apoio aos líderes medievais do Médio Oriente, responsáveis pelo financiamento aos grupos islamofascistas, pelos quais desapareceram todos os vestígios de laicidade em países onde ela era assegurada pelo Estado (Iraque, Líbia, Síria, Egito).
Enquanto persistir o desrespeito pelas aspirações das nações europeias em manterem alguns direitos mais do que legítimos (por exemplo não terem os seus Orçamentos sujeitos a vistos prévios e as correspondentes execuções objeto de «acompanhamento») e em tenderem para uma convergência de rendimentos e de direitos, a União Europeia é um projeto destinado a fracassar a muito curto prazo. E já é tempo de infletir significativamente nas políticas geoestratégicas do Ocidente, tratando os fascismos atuais - seja na Hungria, na Polónia, no Qatar ou na Arábia Saudita - como eles foram combatidos há setenta e cinco anos. Impondo a regra de que só tem direito a ser parceiro de uma Europa civilizada, herdeira do Espírito das Luzes, quem fizer das liberdades fundamentais a sua cartilha de conduta e de quem separa sem qualquer sombra de dúvida o que tem a ver com os homens do que diz apenas e exclusivamente respeito aos deuses.
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