De vitória em vitória, Passos Coelho conduz o Governo à derrota final. A aprovação do Orçamento de Estado para 2013 revelou, uma vez mais, a colossal dificuldade em fazer aceitar as suas políticas, não só pela generalidade da população, que contra ele se manifesta crescentemente nas ruas, mas sobretudo pelos próprios militantes dos dois partidos da coligação.
Quantos dos que há ano e meio se deixaram embalar pelas mentiras de quem se dizia tão bem preparado para remover as gorduras do Estado ou de quem se assumia como estrénuo defensor dos contribuintes, vê agora o seu voto traduzido em menos dinheiro no ordenado ou na pensão ao fim do mês, senão mesmo no inesperado desemprego cuja eventualidade nunca se tinha perspetivado? Quantos deles estarão agora confrontados com a evidência do logro em que se deixaram enredar?
Ano e meio depois da data infausta em que Teixeira dos Santos, Carlos Costa e os banqueiros capitaneados por Fernando Ulrich conspiraram para chamar a troika nas costas de José Sócrates, já muitos reconheceram a evidência anotada por Baptista Bastos na sua crónica semanal no “Diário de Notícias”: Pedro Passos Coelho não é aquele sujeito afável que se apresentou aos costumes. É perigoso, e cada vez mais, quando se lhe avizinham as tormentas.
E são essas tormentas que o levam a querer dar um passo em frente, mudando a Constituição à força, mesmo sem o apoio do principal Partido da oposição. A acreditar em Marques Mendes, Passos Coelho já chamou técnicos do Fundo Monetário Internacional para o ajudarem a dar a machadada final no que ainda sobrevive do assassinado Estado Social.
Nessas reuniões, já ocorridas e em curso, Passos Coelho visa manobra sinistra: já que não consegue demitir o povo sobre quem julgou possível impor a sua tosca visão do mundo, espera ver a revisão da Constituição imposta pela troika nas próximas avaliações do memorando. Senão mesmo no segundo resgate que se diz já estar a negociar clandestinamente com os credores.
Numa excelente crónica no “Económico” a socióloga Mariana Vieira da Silva explica a estratégia em causa: Depois do mito de que tudo resolveriam eliminando as gorduras e as mordomias; depois da farsa de que renegociariam as PPP e retirariam o apoio às fundações; finalmente o governo chega ao ponto onde sempre quis chegar, àquilo que o PSD sempre defendeu que estivesse incluído no memorando de entendimento. Primeiro acena-se o Estado social como principal responsável pela crise e depois programa-se o seu desmantelamento. Primeiro eleva-se a carga fiscal ao seu limite para criar a ideia da inevitabilidade, para depois procurar legitimar uma transformação que sempre teve uma oposição muito alargada.
A culpabilização do Estado social não resiste ao teste dos factos. Até à crise de 2008, a despesa social em percentagem do PIB era menor do que a média da UE. Portugal não é - infelizmente, aliás - esse País com um Estado social de tipo nórdico de que fala o Governo. É, por exemplo, um dos países da OCDE em que os pagamentos diretos das famílias em saúde são mais elevados - 26%; e um dos países em que é maior a parcela do financiamento do ensino superior suportado pelas famílias - 22%.
Com a refundação do memorando, Passos procura tornar inevitável uma revisão constitucional para a qual não tem apoio e o desmantelamento do SNS, da escola pública e da rede de mínimos sociais. Aqueles que se opõem à destruição que Passos agora promete não podem faltar ao debate, começando por desmontar os mitos que o alimentam.
Estamos, pois, perante uma política suicida, que nos leva ao desastre de acordo com um conjunto de ilusões só alimentadas nas cabeças de Passos Coelho e de Vítor Gaspar: a ilusão de que resulta, a ilusão de que não há alternativa e a suprema ilusão de que tem o apoio do voto democrático. É visível para todo o mundo, tirando Passos Coelho e Vítor Gaspar, que não resulta. É evidente que qualquer alternativa é melhor que o desastre a que esta nos está a levar. E, finalmente, este caminho está apenas sustentado na transformação dos nossos governos em cobradores do fraque dos nossos credores. Palavras de Nuno Ramos de Almeida no “i”.
Vale a pena fazer o paralelo com o que se passa por estes dias nos EUA: durante a pré-campanha~, Mitt Romney advogou a diminuição das funções do Estado em nome das poupanças e da eficácia. Como refere Ferreira Fernandes no “DN”, nada como um bom furacão para estilhaçar os absurdos do discurso do estado mínimo.
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