Ainda anda muita gente a tentar perceber o que foi aquela cena estranha de Clint Eastwood na convenção do Partido Republicano, que consagraria Mitt Romney como o candidato à recente eleição presidencial. Aquela que fora propagandeada como uma participação determinante para galvanizar as tropas anti-Obama acabou por se revelar pífia, pondo os dois campos partidários a avaliar os ganhos e perdas decorrentes da tal conversa com uma cadeira vazia.
Eastwood mostrava assim, e uma vez mais, o quanto consegue ser desconcertante: quando o encostávamos ideologicamente à direita graças à temática criptofascista dos seus desempenhos enquanto inspetor Harry, logo ele nos surpreendeu com filmes bastante críticos sobre temas quentes na sociedade americana - o racismo, o puritanismo, a pena de morte, etc. E, quando o julgávamos completamente em dissonância com os energúmenos do «tea party» aí o víamos a partilhar-lhes as escolhas partidárias. Daí o interesse de um documentário já com cinco anos, mas que permite clarificar muito do que fundamenta a sua personalidade: «Clint Eastwood, o franco atirador» de Michael Henry Wilson
Na sua propriedade de Carmel, na Califórnia, Clint Eastwood evoca a sua biografia a partir dos filmes, que acabara de rodar nessa altura sobre a guerra do Pacífico até aos tempos de iniciação no mundo do cinema, mostrando como sempre se deixara guiar pela intuição.
Não se encontrarão revelações sobre ele, apesar de se tratar de um retrato intimista, mais sobre a sua vertente artística do que sobre a sua vida privada. É nesse sentido que o documentário já se assemelha a uma espécie de balanço em forma de passeio improvisado tendo Eastwood como guia.
O olhar dele quanto à sua carreira nada tem de intelectual. Pelo contrário é descontraído, humilde e extremamente elegante, delegando no interlocutor as conclusões que se vão impondo. Para ele não parecem existir verdades definitivas, com o tal instinto a empurra-lo para direções muito diversificadas, apesar das modas e das pressões dos estúdios.
Michael Henry Wilson faz as passagens obrigatórias pelas colaborações com Sergio Leone ou na pele do detetive Harry, mas dá preferência a filmes mais pessoais como «Honkytonk Man», «Bird»,«Imperdoável», «As Pontes de Madison County» ou «Million Dollar Baby», revelando o paradoxo de um homem que é, ao mesmo tempo um conservador e um rebelde, uma estrela e um independente.
Nas cenas de rodagem de dois dos seus filmes mais recentes, Eastwood faculta a abordagem sobre os seus métodos de trabalho, muito baseados na improvisação. E o documentário transforma-se, assim, numa útil lição de cinema.
Sem comentários:
Enviar um comentário