Nas últimas semanas os jornais e as televisões têm sido férteis em artigos sobre os EUA por obra e graça das eleições da próxima terça-feira.
Independentemente do que se vai passando à superfície, - e que resultará na vitória de um dos dois principais candidatos! - têm sobrado marginalmente algumas análises reveladoras de um país em mudança de muitos dos seus paradigmas, alguns dos quais julgávamos inalteráveis enquanto marca identitária do modo de ser norte-americano. Muito embora o tea party nos dê uma imagem extremamente conservadora de muitos dos eleitores, a realidade vai-se-lhes impondo com uma força, que os obrigará a reconhecer a inevitabilidade da imposição de uma modernidade por eles execrada.
Ficam aqui listados aleatoriamente algumas dessas mudanças em curso:
(1) Depois de uma lógica deslocalizadora em função da globalização - que tanto entusiasmou os gurus neoliberais - a América está a reindustrializar-se. Cresce o número de empresas a repatriarem a sua produção atraídas por dois fatores essenciais: o preço da energia cada vez mais baixo (graças, hélas!, ao poluente gás de xisto) e os salários reduzidos pela crise.
(2) O novo livro de Joseph Stiglitz («O Custo da Desigualdade») vem reforçar as conclusões já publicadas pelo economista Christopher Brown em 2004, segundo o qual a manutenção das desigualdades ao nível de 1967 teria mantido na economia centenas de biliões de dólares, ou seja 12% acima do que se verificava então. Montante fundamental para reduzir significativamente o índice de desemprego. Concluía Chris Brown: as empresas produzem bens e serviços, mas também rendimentos. Ou seja, temos de repensar a empresa na sua função de redistribuidora de rendimentos, afetando por isso mesmo toda a economia.
(3) Neste momento muito do dinheiro desaparecido da economia está congelado em bancos, que não sabem como investi-lo. O «New York Times» de 1 de outubro revelava o dilema colocado às empresas de private equity, que acumularam 770 mil milhões de euros sem conseguirem aplicação para eles. Uma das soluções em cima da mesa será a devolução desses valores aos clientes, que lhos tinham confiado para garantirem uma rentabilidade otimizada.
(4) Apesar do peso da religião no dia-a-dia dos cidadãos, cresce o número dos que se definem como agnósticos (19,6% segundo um estudo do Pew Research Center, que apresentara 8% numa abordagem semelhante em 1990). E os assumidamente ateus passaram de 1% para 6% no mesmo período;
(5) Cresce a inquietação de muitos educadores e psicólogos sobre a forma como o sexo está a ser descoberto pelos jovens americanos, privados de uma educação rigorosa sobre esse assunto tabu. Resultado: muitos deles acabam por “adquiri-la” em sites pornográficos, que lhes dão uma perspetiva completamente desviante. A consequência é ver rapazes a tratarem as namoradas como se fossem atrizes desse tipo de filmes e elas a acomodarem-se à representação da mímica e das vocalizações correspondentes com receio de serem tidas como anormais. O tipo de relacionamento amoroso dos novos casais tende a iniciar-se na base de equívocos de consequências imprevisíveis, que tornam urgente a reponderação do tipo de educação fornecido (ou em falta) nas escolas primárias e secundárias;
Estes cinco exemplos, que poderiam ser multiplicados por muitas outras abordagens, coincidem na suspeita quanto à transformação de uma América, que vai dando razão ao que dizia Lenine a respeito da evolução histórica: dois passos adiante, um para trás. Ora, com o mandato de George W. Bush e com o assalto ao Partido republicano pela extrema-direita do Tea Party, os EUA deram recuos significativos em relação à dinâmica progressista assumida por Bill Clinton, que só não avançou mais por ação do Monicagate e das campanhas da Fox News.
Durante os quatro anos do primeiro mandato, Barack Obama deixou-se manietar pela demagogia de uma oposição extremamente agressiva. Mas, em vez de contra ela mostrar tibieza, espera-se que o seu segundo mandato corresponda ao tal salto em frente em duplicado, capaz de derrubar os preconceitos económicos, sociais, religiosos e morais, que ainda condicionam o encontro dos EUA com o seu papel determinante no século XXI. Quando deve responder à perda da condição de grande imperialismo dominante para se encontrar com a Europa na contenção a uma Ásia em contínuo crescimento que, a não ser enfrentada, condenará o Ocidente a uma decadente irrelevância.
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