«Le Sermon sur la chute de Rome» é o romance, que acabou de valer o prestigiado Prémio Goncourt ao quase desconhecido Jêrome Ferrari, um professor de filosofia no Liceu Francês do Abou Dhabi, depois de ter passado anos na Córsega (donde eram naturais os seus antepassados) e na Argélia.
Embora possa induzir para os tempos imperiais dos césares augustos, o romance nada tem a ver com essa ilusória possibilidade. Baseia-se sim num célebre sermão de Santo Agostinho que, colocado um dia perante as ruínas de uma catedral, concluiria: o mundo é como o homem: nasce, cresce e morreA partir dessa frase constrói-se uma saga familiar no contexto da multiplicidade dos mundos possíveis.
Tudo começa com um retrato de família a preto e branco, datado de 1918. Aonde está nele o Marcel? Ainda não teria nascido?, questiona-se um dos seus netos, apostado em escalpelizar a árvore genealógica como se ela lhe desse resposta à questão identitária de concluir pelo seu lugar no mundo em que vive. Será ali num recanto da Córsega aonde abre um bar com um amigo, depois de ter concluído o curso de filosofia?
O que interessa a Ferrari é captar esse instante em que tudo parece estar em causa. Aquele em que os sonhos e ambições desaparecem e dão lugar a um vazio aonde importa ocupar espaço como se de terra virgem por cultivar.
Temos, pois, uma temática recorrente nos livros do autor, que em “Un Dieu un Animal” já abordava inquietações do mesmo calibre. Nomeadamente numa personagem secundária, internada num manicómio, que sentia a mente como um terreno vago batido pelos ventos, que nada protegia e bastava abrir os olhos para que os pensamentos íntimos , a jazerem no meio de carcaças de animais e de deuses esquecidos, revelarem a crueza de uma luz brilhante e suja.
Ele estava escondido num batalhão do exército francês e percorria países em guerra a coberto de uma missão muito pessoal: Correr até que o ar tenha a consistência e a cor do seu sangue.
Ela camuflara-se na hierarquia de uma empresa, participava em seminários, mas voltava todas as noites a casa com a persistente dúvida: Se calhar estou enclausurada numa vida tão minúscula que todas as saídas por onde possa escapar, já estão fechadas.
Ele e ela haviam-se conhecido adolescentes numa aldeia, mas o turbilhão da vida tinha-os projetado separadamente para o tédio do mundo. E reencontram-se agora para que vivam a angústia de apenas amarem um no outro o reflexo de si mesmos.
Que herança deixamos, questiona-se Férrari? E a resposta é simples: a marca dos outros depende do espaço livre que se carrega dentro de si mesmo...
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