sexta-feira, 23 de novembro de 2012

POLÍTICA: Desemprego, suicídio e pornografia em forma de romance


A leitura do «Público» de hoje sugere-me a seleção de três notícias particularmente definidoras dos tempos, que vamos vivendo.
Numa delas explica-se algum do crescimento do desemprego pelo silenciado despedimento de muitos milhares de trabalhadores das grandes e médias superfícies.
A queda do consumo leva os belmiros, os soaressantos e quejandos a rescindirem o vínculo de muitos dos que aí vendiam a sua forma de trabalho, mesmo que a custo horário irrisório, gerindo-se cada loja com menos 15 a 30% do número de empregados anteriormente aí alocados.
A segunda notícia pode ser vista como um desenlace possível para muitos dos que vão conhecendo o desemprego e a falta de alternativas para sobreviverem: o suicídio. Embora os números oficiais escamoteiem essa realidade através das eufemísticas causas desconhecidas, as mortes por suicídio já ultrapassam a média de três casos diários no nosso país. E o que verdadeiramente deveria ser anotado nas respetivas certidões de óbito nem seria o suicídio, mas o homicídio voluntário da responsabilidade desta política criminosa, que atende aos interesses dos credores da dívida soberana e aos interesses cúpidos dos que anseiam por se apossarem de empresas em vias de serem privatizadas enquanto é completamente indiferente ao sofrimento causado a milhares de desesperados.
Em contraponto a esta vertente da realidade só pode ser vista como trágica uma outra notícia, que conclui já terem sido vendidos em Portugal mais de duzentos mil exemplares do porno-romance de E.L. James em que está em causa a relação de submissão de uma jovem mulher relativamente aos prazeres sádicos de um administrador de empresas.
Que o sexo possa assumir uma forma de compensação para as frustrações das realidades políticas e económicas à nossa volta, nada a objetar. Mas que o sucesso derive de uma relação doentia de uma mulher perante um homem, de uma explorada em relação a um explorador, só pode ser visto como um sintoma inquietante dos fantasmas existentes no imaginário coletivo de quem nos rodeia.
Essa realidade que Baptista Bastos tão bem caracteriza na sua crónica do «Negócios» em que escreve: Os últimos setenta anos foram terríveis em Portugal. Já vinha de trás a história da nossa grande dor. Inquisição, perseguição aos judeus, impossibilidade de se ser feliz, cinquenta anos de fascismo e, depois de uma breve luz, isto, isto que nos aconteceu e acontece, as sombras de um desespero incontido, a impotência de nos vermos cercados por todos os lados, o infortúnio de havermos perdido referências e as esperanças que as referências nos dão.
Só contrario a perspetiva do autor de «O Secreto Adeus» pelo facto de o ter escrito numa época (1963) em que as razões para tanto pessimismo eram sobejamente fortes. Mas que que não impediram Daniel Filipe concluir o seu célebre poema de dois anos antes com os versos:
(Mas um grito de esperança inconsequente vem
Do fundo da noite envolver a cidade
Au bout du chagrin une fenêtre ouverte
Une fenêtre eclairée)


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