Estreou-se em França «Thérèse Desqueyroux», o filme que Claude Miller rodou quando já estava muito doente e concluído pouco antes da sua morte verificada em abril transato.
Embora nunca tenha apreciado a obra, nem os valores de François Mauriac, escritor de simpatias conservadoras, que, em teoria me deveria tornar alérgico a tal proposta cinematográfica, as palavras de Jêrome Garcin no Nouvel Observateur bastam para me fazerem reponderar essa predisposição.
Conta Garcin: Um homem que vai morrer filma o regresso à vida de outro, que escapou à morte por pouco. Para o jornalista resultou daí um filme simples, belo e puro como um adeus. Se a intriga foi respeitada - na burguesia das Landes, entre as duas grandes guerras, uma jovem tenta envenenar o marido com arsénico, esse homem que desposara por conformismo e a quem dera uma filha - é sobretudo para absolver a culpada que Claude Miller levou por diante o seu projeto.
Quem interpreta o papel de Thérèse é Audrey Tautou, espantosa na fleuma, na indiferença, no mutismo quase esquizofrénico. Ela é a mulher que se dissocia do mundo à sua volta por detestar a moral, a fortuna, os costumes.
Contra a moral era também Claude Miller que morria no mesmo hospital em que a amante estava a dar à luz o filho clandestinamente concebido. Tragicamente, esses mesmos preconceitos inviabilizaram que ele visse uma primeira e ultima vez a mulher a quem amara na última fase da sua vida, e cuja presença foi obstada pela família dele.
Existiu, assim, um singular paralelismo entre a ficção e a realidade, com os mesmos valores conservadores, retratados e verberados no filme a virem ao de cima na realidade e a nela tornar recorrente a solidão definitiva de quem contra eles se bateu.
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