Em dia de aniversário europeu reafirmo a eurodesilusão sem me colocar ao lado dos eurocéticos.
Uma das mais espantosas incongruências, que venho constatando nas esquerdas nacionais, quando se dizem contra o euro e contra a União Europeia, é esquecerem uma das maiores lições que as várias experiências falhadas de implementação do comunismo propiciaram: por muito bem intencionadas que fossem as intenções primevas dos seus promotores a aplicação do modelo revolucionário a um espaço geográfico limitado só dificulta o seu sucesso e obriga ao recurso de práticas totalitárias. Porque o cerco de que se veem alvo, somado ao apoio exterior a quem se sente prejudicado com a nova realidade, tende a acossar as cúpulas dirigentes aos seus pequenos kremlins, privando-as do contacto com as massas populares com que teriam estado consonantes no início.
Entre Estaline e Trotski era este último quem tinha razão ao defender a impossibilidade de sucesso numa Revolução, que não ocorresse ao mesmo tempo na mais vasta extensão geográfica. As grandes fomes dos anos 20 e as purgas dos anos 30 confirmavam o vaticínio do antigo bolchevique entretanto assassinado no México.
O euroceticismo equivale a defender uma realidade em que seremos pequeninos e fraquinhos, porque incapazes de influenciar as grandes dinâmicas que uma sociedade globalizada irá conhecer, nomeadamente ao nível das ideologias e dos sistemas políticos.
Não é por acaso que os dirigentes progressistas do século passado prezavam tanto o internacionalismo. Por isso existiram organizações que, por um lado, agregavam os Partidos Comunistas, e por outro os Socialistas. Mesmo desavindos, uns e outros compreenderam a necessidade de convergirem com quem, nos demais povos do mundo, partilhava os seus próprios ideais e sonhos de futuro.
Nestes anos recentes lamentamos que a União Europeia tenha promovido os interesses neoliberais em detrimento dos seus cidadãos. Em vez de defender maior justiça e igualdade, tornou-se útil ferramenta dos interesses financeiros graças à ação dos milhares de burocratas sedentarizados em Bruxelas, Estrasburgo ou Frankfurt.
Sem pôr em causa o projeto europeu vale a pena ser contra este em concreto, que não corresponde aos anseios dos povos. Mas será bem mais fácil apressar o fim do capitalismo e abrir caminho ao que lhe sucederá - aliando o que foram os anseios socialistas com as preocupações ecológicas perante um planeta cada vez mais doente - se a transformação abarcar quase todo o Velho Continente e passar por outro projeto europeu, que resulte da transformação deste ou renasça das suas cinzas.
Ao contrário do que sugeria o antigo secretário da Defesa de Bush filho (um Rumsfeld que também era … Donald!), a Europa possui, graças a toda a sua longa História, a capacidade de assumir a sabedoria ainda inacessível a outras geografias, seja porque ainda longe de atingirem o grau derradeiro da evolução capitalista, seja por terem cultivado idiossincrasias individualistas muito difíceis de se adaptarem a um tipo de sociedade sem emprego para todos e, por isso mesmo, obrigada a pensar-se em novos modelos de solidariedade como forma de escapar às ameaças da violência dos seus deserdados.
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