Se me pedissem para escolher uma época em que Nova Iorque teria vivido uma época de rutura com os valores vigentes na sociedade norte-americana do seu tempo, não me lembraria de escolher o ano de 1951. Talvez porque ainda faltariam cinco anos para nascer, remetendo-o para a minha «pré-história». Seria bastante lógica a opção pelo verão de 1969, quando Woodstock simbolizava a revolta dos estudantes universitários contra a guerra do Vietname e a revolução hippie ainda não declinara nas expetativas de redundar num mundo diferente. Tinha então treze anos, andava fascinado pelas viagens das missões Apollo e olhava com estranheza, mas também fascínio, para os acontecimentos vindos de além-Atlântico, mesmo filtrados pela censura do fascismo.
Um documentário inglês dá-me bons exemplos de como, apesar de se viver no macartismo e na segregação racial, Nova Iorque polarizava novos tipos de criatividade, que influenciariam as diversas artes nas décadas seguintes. Jack Kerouac na literatura, Thelonious Monk no jazz, Jackson Pollock na pintura ou Lee Strasberg com o seu Método, atiravam para a condição de obsoletas as formas de escrever, tocar, pintar ou representar apreciadas até então. Perdia sentido um tipo de arte bonitinha e entorpecente ao libertarem-se as emoções, que estilhaçavam aquele pequeno mundo feito de donas-de-casa ainda competentes a conterem o desespero, de chefes de família investidos na condição de operários ou mangas-de-alpaca apenas interessados em terem emprego certo e receberem um relógio de ouro ao fim de trinta ou quarenta anos de subserviência aos patrões sem nada lhes questionarem ou aqueles jovens atoleimados ocupados em imitarem os modelos dos mais velhos.
Não terá sido propriamente uma época de ruturas determinantes, porque a televisão em todos os lares trataria de garantir a uniformização dos gostos e das opiniões, mas esses exemplos de contracultura antes do tempo serviriam de pioneiros para a manutenção em lume brando de uma contestação, que explodiria de tempos a tempos e ainda tarda em manifestar-se no seu definitivo esplendor.
Nos anos setenta Fernando Namora foi visitar o outro lado do Atlântico e trouxe de lá uma opinião, que confirmei, quando por lá andei no final dessa década e lá voltei já neste milénio: nos vastos territórios entre o Canadá e o México coexistem muitas revoluções de sinal contrário. São como bolhas numa panela a ferver, que se digladiam por chegarem à superfície, rebentam em vapor sugado pela chaminé, e dão lugar a outras, suas semelhantes. Por isso é enganador olhar para Trump e encarar-lhe os apoiantes como se representassem toda a América. Mesmo sendo muitos, demasiados!, eles correspondem a uma parcela ínfima dessa realidade em constante mutação.
É essa a razão, porque vejo Trump como um parêntesis sem grande importância, quando analisado daqui a duas ou três décadas. Na sua insignificância ficará na História como eloquente demonstração do erro de se confundir Democracia com a possibilidade dos povos elegerem quem queiram. Ela é muito mais do que isso!
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