terça-feira, 18 de setembro de 2012

LEITURA: «O Homem de Pequim» de Henning Mankell



Hesjövallen é uma aldeia minúscula situada a sul do lago Hansesjön na região de Halsingsland, habitada sobretudo por idosos.
Alertada por um fotógrafo, que morre de ataque cardíaco, quando dali se escapulia em pânico e por isso embatera noutra viatura, a polícia encontra dezanove cadáveres violentamente esquartejados nas diversas casas.
De todos os habitantes, os únicos sobreviventes parecem ser Tom e Ninni, um casal de sexagenários apostados em ouvirem música rock em altos berros, indiferentes ao que se passa á sua volta.
A responsável pela investigação, Vivi Sundberg, chega à hora marcada para a conferência de imprensa sem a mínima ideia quanto à culpabilidade de quem os cometeu. As únicas pistas por que se pode orientar tem a ver com o facto de a criança ainda por identificar de entre as dezanove vítimas ter sido a única a morrer com um único golpe nela aplicado diretamente  na coluna vertebral. Ou o facto de todas as vítimas terem todas um de três apelidos: Anderssonm Andrén ou Magnusson. Os únicos sem tal característica eram precisamente Tom e Ninni.
O impasse na investigação pode ser superado quando a juíza Birgitta Roslin aproveita o facto de estar de baixa médica devido a exaustão  e tem tempo para constatar a coincidência de duas das vítimas, de apelido Andrén, terem sido os pais adotivos da sua defunta mãe. E que, dias atrás, no Nevada, outra família com o mesmo apelido, ter sido igualmente massacrada numa réplica sinistra do ocorrido na aldeia sueca.
Pela primeira vez, Birgitta dirige-se ao norte do país para conhecer a aldeia aonde a mãe crescera. E Vivo Sundberg até lhe facilita a visita á casa aonde ela vivera. É aí que, numa gaveta, ela descobre as cartas de um antepassado da família, emigrado no Nevada no século XIX e ai envolvido, enquanto contramestre, na construção do caminho-de-ferro.
À revelia da polícia Birgitta leva esses documentos para o hotel antes de os devolver à indignada polícia, que descobre essa iniciativa no dia seguinte.
Começa por essa altura o interesse excessivo de um repórter obeso, Lars Emmanuelson, pela inexplicável ligação entre a chefe da polícia, que lhe sonega o máximo de informações, e essa juíza vinda do sul do país. Mas ele nada fica a saber de outra descoberta de Birgitta no local do crime: a fita de seda vermelha, que ela se apercebe pertencer à decoração do restaurante chinês de uma vila próxima aonde ela se deslocara para jantar num dos dias da sua estadia.
Mas o romance não tarda a mudar de tempo e de lugar: durante uma centena de páginas iremos acompanhar a odisseia de um jovem chinês do século XIX que parte da sua aldeia natal com os dois irmãos, quando os pais se enforcam por causa das dívidas ao senhor feudal da região, e buscam futuro possível, primeiro em Cantão e depois já no outro lado do Pacífico.
Wang San verá um dos irmãos morrer ainda antes de serem arregimentados para um navio de tráfico de mão-de-obra chinesa para a construção dos caminhos-de-ferro norte-americanos. E conhecerá no Nevado o contramestre JA, homem cruel e violento a cujas mãos sofrerá os piores dos tormentos.
Contido e paciente, Wang San raramente dará um passo em falso, preferindo preservar-se para assegurar a sua ulterior vingança. É assim que, já sem o outro dos seus irmãos, igualmente morto violentamente, regressa a Cantão, contratado por missionários suecos apostados em criar uma delegação local da sua organização proselitista.
E também estes supostos benfeitores o desiludem, quando o impedem de casar com a serviçal da missão a quem engravidara e, que por isso mesmo se suicidara no rio.
Wang San acabará por matar e roubar o missionário que o traíra ao não fazer coincidir as palavras de amor cristão com os atos, instalando-se na grande metrópole disposto a usufruir da sua súbita riqueza e a redigir o relato de todas as suas provações.
Mais de um século depois, um dos seus descendentes, Yu Ru, preparara a execução de um plano associado à vingança desse antepassado e que poderá vir a refletir-se na própria história chinesa aonde, enquanto milionário, faz carreira nos negócios mais escuros em conluio com alguns altos dirigentes do Partido Comunista.  No que é verberado pela irmã mais velha, uma maoísta convicta, desgostosa com a evolução do país e do regime para valores contrários aos defendidos pelos pais fundadores da Revolução de 1949.
Regressamos, entretanto, à Suécia para encontrar Birgitta ainda a contas com a curiosidade em desvendar a razão da morte dos habitantes de Hesjövallen. O que a leva a descobrir que, na véspera dos crimes, um hóspede chinês pernoitara no hotel da mesma vila do restaurante chinês aonde jantara e donde extraíra a fita de seda vermelha. Da câmara de vídeo do hotel consegue a imagem desse suspeito no envolvimento de toda aquela macabra conspiração. Mas Vivi Sundberg não valoriza essa descoberta até por ter conseguido a confissão de um mitómano da região, colecionador de sabres, que se enforca pouco depois, levando para o túmulo o esclarecimento da efetiva autoria desses atos.
Ainda assim, interessada em dar por concluído o caso, a polícia acede de bom grado a essa equívoca explicação.
Cada vez mais afastada do caso e com os médicos a encontrarem-lhe na hipertensão matéria suficiente para lhe prolongarem a baixa médica, Birgitta decide acompanhar a Pequim a sua amiga Karin Wiman, que irá ali participar numa conferência. Do cada vez mais distante passado ambas conservam as memórias de terem sido condiscípulas na mesma escola e militado num dos partidos maoístas de então.
A percorrer as ruas de Pequim, ela pensa: passaram quase quarenta anos. Na época deixei-me atrair, qual mosca poor torrão de açúcar, por uma seita que me prometia a salvação. Não nos encorajavam ao suicídio coletivo à beira do Apocalipse, mas a abandonar a nossa identidade individual em proveito de uma bebedeira coletiva aonde um pequeno livro vermelho substituía qualquer reflexão.
A partir do momento em que procura descobrir algo sobre o chinês captado na câmara de vigilância do hotel situado junto ao local dos crimes de Hesjövallen, a estadia de Birgitta em Pequim passa por sucessivas vicissitudes: uma agressão e roubo da mala numa das ruas mais movimentadas da cidade, a visita de vários polícias, algumas manobras de distração para a afastarem do hotel e melhor vasculharem o seu quarto e a sensação de estar sob permanente vigilância de insuspeitáveis poderes.
Quando pode, enfim, regressar a casa, Birgitta só quer recuperar as suas rotinas encontrando no trabalho a melhor catarse para as suas recentes inquietações.
Mas a polícia com que contactara em Pequim era Hong Qiu, a irmã de Yu Ru, que logo identificara na imagem captada pela câmara de vigilância do hotel sueco o seu lugar-tenente Liu Xin. Razão para incrementar a vigilância sobre ele. Mas sem saber-se igualmente vigiada e objeto de conspiração homicida: convocada para integrar uma comitiva ministerial ao Zimbabwe, Hong Qiu é atraída a uma armadilha pelo irmão, que também ali se deslocara, e é morta naquilo que é dado como a aparência de um acidente de viação.
No entanto, Yu Ru não podia suspeitar que a prudente Hong Qiu trataria de deixar provas das suas suspeitas a amigas de confiança e que ele estará em vias de perder a sua confortável posição de empresário de sucesso.
Mas antes que o garrote se aperte em torno do seu pescoço, Yu Ru ainda tem tempo para se deslocar à Suécia e tentar apagar os indícios ali deixados por Liu Xin, o que se traduz em procurar e assassinar Birgitta.
Sem se aperceber do perigo, a juíza acabará por dever a vida aos enviados dos amigos de Hong Qiu à Europa, que travam in extremis o plano de Yu Ru.
Num caderno deixado pela agente chinesa; Birgitta compreende enfim tudo quanto estivera na origem dos crimes de Hesjövallen e dos dissabores por que passara nas semanas mais recentes.

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