domingo, 9 de setembro de 2012

FILME: «William S. Burroughs, a Man Within» de Yony Leyser



Confesso nunca ter sido um grande entusiasta da obra de William S. Burroughs. Nem da de outro qualquer expoente da chamada beat generation.
Demasiado individualistas e promotores de formas de anarquismo sem qualquer eficaz contestação das desigualdades sociais, eles apenas coloriram a segunda metade do século XX com uma irreverência tomada como padrão por gerações posteriores de rockeiros. E repare-se que só para uma justificação complementar da escassa empatia com tal escritor é que deixei as suas características mais específicas: a de drogado sob o argumento de procura de estados alterados e mais criativos da mente. Ou a de assassino da mulher, mesmo que a coberto de um suposto acidente. Ou de paradigma do lado mais burlesco da cultura gay. Ou a de defensor do direito a andar-se armado por nunca desejar viver num país em que só os polícias e os militares tivessem tal possibilidade. Ou a de ter tido um filho a quem não deu grande atenção e que entrou num processo de degenerescência suicida, que o levaria para a cova pouco passava dos trinta anos, sem jamais se sentir capaz de ganhar a admiração do pai cujos excessos mimetizava. Ou a de ter experimentado todos os excessos em drogas, álcoois e sexo, e conseguido chegar a octogenário.
O documentário de Leyser mostra tudo isso recorrendo aos muitos testemunhos de gente que o conheceram desde Iggy Pop a John Waters passando por Laurie Anderson ou Patti Smith. E adota um tom panegírico, como se toda a irreverência de que Burroughs deu mostra não constituísse outra coisa que não fosse a expressão da sua genialidade. Quando se tratou de mais um exemplo de egocentrismo exacerbado!
Torna-se possível considerar que todo o seu percurso ulterior terá tido origem em traumas de infância: nascido numa família pequeno-burguesa de Saint Louis em 1914 ele terá sido violado em criança pelo namorado da sua baby sitter e experimentado ópio facultado por um dos criados de sua casa. Nesse sentido ganharia uma personalidade, que Freud não enjeitaria qualificar de extremamente perturbada. Mas dotar-se-ia de um diploma em Harvard e conheceria Allen Ginsberg e Jack Kerouac na altura em que estes congeminavam novas formas de expressão literária. O primeiro publicará «The Howl» em 1956 e o segundo «On The Road» no ano seguinte, para, em 1958, Burroughs escandalizar a crítica com o seu «Festim Nu». Este livro fora por ele escrito em Tânger aonde se fora refugiar depois da morte de Jane a quem convencera a servir de cobaia para a sua demonstração de destreza semelhante a Guilherme Tell. E seria proibido durante vários anos nos EUA até se livrar da censura em 1966. A tempo de influenciar jovens apostados em formar grupos de rock crismados com expressões tiradas dos seus livros («Steely Dan», «Soft Machine», etc.) Como também foi o reconhecido criador de expressões doravante emblemáticas como «blade runner» ou «heavy metal».
Não admira que Kurt Cobain manifestasse por ele uma profunda afeição, logo imitada por todos quantos se reclamavam do movimento punk.
Papa do movimento, Burroughs não abandonava os fatos de três peças e o chapéu, que se conjugavam com os seus modos cordatos, para o assemelhar a um verdadeiro gentleman.
Claro que se tratava de um equívoco: decidido a libertar-se de todas as etiquetas, Burroughs demonstrou grande capacidade em multiplicar seguidores entre as camadas juvenis desse ultimo quartel do século XX sem perceber que os afastava assim de pôr em causa o capitalismo predador para o qual serviria, em última análise, de mais um idiota útil...

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