Agora que os incêndios do verão e do outono já ficaram para trás, e podem ser escalpelizados com outra racionalidade, seria interessante que a Polícia Judiciária e outras autoridades policiais, incumbidas de explicarem a dimensão trágica do sucedido, nos pudessem informar sobre a efetiva percentagem dos sinistros causados por mão humana e, de entre eles, os que se suspeitam de prática criminosa. É que há fundamentadas dúvidas de essa causa ter sido mais frequente no ano em curso, faltando saber até que ponto resultou de iniciativas individuais sem conexão umas com as outras ou se tiveram por trás alguma forma de planeamento de cariz terrorista ou, pelo menos, ideologicamente inspirado por quem detesta o atual governo.
Enquanto o assunto esteve na ordem do dia multiplicaram-se as afirmações num e noutro sentido. Para que não hajam dúvidas sobre Diabos que terão vindo assombrar a Nação ou sobre fenómenos climáticos de extrema severidade, seria bom que nos fosse apresentada a devida conclusão. De forma categórica, científica e sem azo a remanescentes ambiguidades.
Mas se pegarmos num outro exemplo de acontecimentos, que ficaram por esclarecer - e sobre os quais a fúria mediática em busca do escândalo, do que pudesse vender jornais e revistas ou abrir telejornais! - aí está o «Público» a recordar o que assolou a Casa Pia há quinze anos e suscitado por uma manchete de primeira página do «Expresso» (ora por quem haveria de ser?).
Passados todos estes anos, mesmo com condenações e cumprimentos de penas, que, nalguns casos, continuam a suscitar sérias reservas quanto a ter-se feito justiça ou, pelo contrário, criado gritantes casos de injustiça para quem ficou com as vidas completamente destroçadas, há quem lamente seriamente o que se perdeu: uma certa mística da instituição de que gerações tinham conservado justificado orgulho por a ela terem pertencido.
Pessoalmente, nos meus anos de Marinha Mercante, encontrei muitos e competentíssimos artífices (serralheiros, torneiros, soldadores), que ali tinham sido educados e formados enquanto grande profissionais dos respetivos ofícios.
Não existe, pois perdão possível para gente do quilate de uma sinistra provedora ou de um oportunista, que tanto viria a concorrer a cargos políticos pelo Partido Comunista como por outros de sinal contrário, que viram na gula voyeurista de jornalistas sem escrúpulos e de políticos de direita - que quiseram utilizar o caso como arma de arremesso contra o Partido Socialista - a oportunidade de porem em causa a imagem da instituição. Com danos sérios para o futuro: havendo ainda milhares de crianças e jovens necessitados do tipo de apoio ali conferido, os casos dúbios e pontuais (porventura replicáveis em muitas outras instituições do género) deixou de se lhes ministrar os cuidados que tinham norteado todo o seu passado. E, nesse sentido, quantas vidas se transviaram por terem deixado de contar com a alternativa educativa, que o «Expresso» e os outros meios de comunicação (ou contaminação?) inviabilizaram?
Quinze anos depois continuamos sem resposta relativamente a ter efetivamente existido ou não uma rede pedófila a ali operar e se a Justiça não terá ido à boleia das condenações sumárias engendradas nos jornais pelos torquemadas de ocasião. Esperemos que, daqui a quinze anos, não andemos a questionar-nos se os incêndios deste prolongadíssimo verão justificaram ou não algumas pertinentes teorias da conspiração...
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