A passagem da Web Summit por Lisboa voltou a despertar-nos para a discussão sobre como será o futuro do trabalho, quando a robótica, a automação e outras soluções informáticas eliminarem muitas das atividades ainda cumpridas com recurso à intervenção humana.
Uma das intervenções mais comentadas foi a de Carlos Moedas, que não disfarçava o prazer pela eventualidade de, a curto ou médio prazo, os trabalhadores deixarem de assim se entenderem, para adotarem a presunção de se comportarem como empreendedores. Em vez de se sentirem comprometidos com uma empresa a que se possam sentir vinculados por contrato, deveriam assumir-se como patrões de empresas com um só funcionário e comprando e vendendo serviços de uma forma manifestamente precária.
Filho de conhecido comunista de Beja, Moedas tem as bases ideológicas suficientes para se comprazer com a ideia de uma nova fase de capitalismo sem luta de classes, porque sendo todos patrões, deixariam de fazer sentido as contradições entre exploradores e explorados. A realidade económica seria caracterizada pela concorrência entre milhões de empreendedores individuais dispostos a venderem-se pelo custo mais baixo para que os oligopólios continuassem a aumentar a riqueza dos seus principais acionistas.
No «Jornal de Notícias» o prof. Carvalho da Silva, ex-líder da CGTP, comentava esta narrativa destinada a prolongar tanto quanto possível o iminente ocaso do capitalismo: “Os poderes que impõem esta agenda precisam, imperiosamente, de construir uma visão apocalíptica do futuro do trabalho, de eliminar o próprio conceito de trabalho substituindo-o por um conceito vago de atividades associadas, por exemplo, à panaceia do empreendedorismo individual. Não querem discutir as mudanças a introduzir no mundo do trabalho em decorrência dos avanços tecnológicos e científicos, mas sim qualificar como anacrónicas a condição de trabalhador, o direito do trabalho, os instrumentos de regulação e regulamentação e as instituições de mediação que deram dignidade ao trabalho. Tudo substituído pela mentira de que no futuro já não haverá subordinações, de que bastará o querer, a determinação e empenho de cada indivíduo para garantir livre poder de escolha”
Uma das constatações, que os Paradise Papers confirmam, é a da ganância indisfarçável dos principais gigantes empresariais da indústria informática, que usam todos os recursos ao seu alcance para se isentarem do pagamento de impostos e eliminarem quaisquer regulamentações impeditivas de se comportarem o mais selvaticamente possível num mercado sem concorrência digna desse nome.
Uma ação imediata para evitar esse futuro apocalítico em que a grande maioria da população estará condenada ao desemprego é a que Daniel Oliveira propõe no «Expresso»: ”Não sou um ludista pronto para destruir as máquinas. Mas o papel dos políticos ou dos eurocratas que capturaram os seus poderes não é impor novas “narrativas” para que aceitemos como natural a selva que nos reserva o futuro. É criar os instrumentos regulatórios para que a tecnologia sirva para nos libertar e não para nos escravizar. Histórias como as dos Paradise Papers explicam-nos porque não o fazem: não é para nós que trabalham.”
Há, no entanto, o paradoxo que condicionará de forma determinante essa tendência para criar uma economia avessa à participação humana, porque qual seria o sentido de produzirem mercadorias se não existirem consumidores para as adquirir? Carecendo o sistema de um aumento constante da dimensão do mercado, que sentido fazem as perspetivas distópicas, que passariam pela sua reduzidíssima expressão?
Por estes dias deparámo-nos com muita gente a discutir um assunto sério com a frivolidade com que outros em séculos idos se debruçavam sobre a magna questão do sexo dos anjos.
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