sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Uma paranoia contra o que melhor podemos ser como pessoas

Catherine Millet tem-nos habituado a opiniões desassombradas, que colidem, amiúde, com as maioritariamente publicadas no nosso universo mediático. Agora é toda a campanha em torno do assédio sexual em Hollywood, com alcance noutras latitudes, que suscita o seu repúdio.
Em primeiro lugar ela rejeita que as atrizes e modelos vindas a lume por denunciarem as práticas de Harvey Weinstein sejam incensadas como corajosas. De facto, aproveitaram-se do facto do produtor estar com a situação financeira muito comprometida para o virem empurrar ainda mais aceleradamente na direção do abismo, que era já o seu. Esta atitude de só fustigar quem está em queda é prova de uma cobardia, infelizmente muito comum nos dias que correm, embora tenhamos exemplos históricos a demonstrar a sua inequívoca pertença ao que o comportamento humano pode ter de mais execrável nos seus mais sombrios momentos.
A crítica de arte e chefe de redação da Artpress dá como contraponto a atriz Juliette Binoche que desconsiderou as denúncias em causa, porque sempre que se viu pressionada por algum produtor no sentido de assédio atribuído a Weinstein, assumiu a rejeição de qualquer aceitação da sua parte e não foi por isso que viu comprometida a admirável carreira cinematográfica.
Catherine Millet também contesta que esta campanha contribua o que quer que seja para a emancipação das mulheres por conotar a sexualidade com algo que tende a ser interiorizado como algo de inevitavelmente violento, de agressivo. Por isso este tipo de notícias só pode contrariar a sua defesa do flirt como manifestação livre de um possível interesse entre duas pessoas, que possam querer ir mais além no conhecimento que possam iniciar. Às tantas chega-se a uma histeria tal em relação à sexualidade que, antes de chegarem a essa fase da sedução, as pessoas em causa tenham de assinar um documento devidamente carimbado para garantirem o consentimento quanto a tal cumplicidade, que mentes mais tortuosas podem ler como de assédio indecoroso.
A sexualidade deveria ser tratada nos media pelo que pode ter de belo, avesso a este exclusivo tratamento pornográfico das suas manifestações ilegítimas. Desde muito cedo, e com a devida formação escolar, rapazes e raparigas deveriam saber que se pode tratar de algo de mágico, capaz de superlativizar o seu viver. Porque, se deixamo-la entregue aos fanáticos religiosos e aos puritanos (os que Ary dizia terem sido «feitos em ceroulas») pode-se chegar a situações extremas como são os fenómenos das precoces gravidezes de adolescentes, mesmo nos ambientes em que são instadas a manterem-se virgens até ao casamento, com cerimónias a preceito para com esse compromisso, como sucede nos EUA, ou como sucede no Japão onde rapazes e raparigas deixaram de conseguir falar-se com naturalidade, criando-se «namorados de aluguer» ou cursos de formação para que consigam recuperar a perdida naturalidade. E, por paradoxal que pareça, são nesses Estados do sul dos EUA ou no Japão, que a indústria pornográfica conhece maior fulgor. Porque o sexo é aí vivido como um tabu em vez de ser tido como algo de intrínseco ao que de melhor podemos ser como pessoas.

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