Neste dia em que se celebram os cem anos da revolução bolchevique, parece consensual a ideia, dentro e fora da Rússia, que o regime de Vladimir Putin desvalorizou totalmente o sentido da data, nada fazendo para a diferenciar de qualquer outra anódina efeméride. O que se compreende: qualquer semelhança entre a atuação do Kremlin nos dias de hoje e as práticas dos governos soviéticos - mesmo quando moribundos já eram uma caricatura dos valores presentes na sua retórica! -, é uma absurda coincidência. Da formação académica que teve e na condição de espião na antiga Alemanha de Leste, Putin só terá retido o lado nacionalista, que é precisamente o paradoxo oposto da ideologia, que deveria defender. Os valores, esses, meteu-os num saco, que fechou e enterrou em sítio onde o não pudesse encontrar.
Ao contrário do atual presidente chinês que sabe não ser comunista, mas ter pena, Putin cometeu a heresia de recuperar a importância política e social da Igreja Ortodoxa, cuja idiossincrasia nada evoluiu desde que perdeu toda a influência, quando a Revolução a reprimiu por se tratar de esteio fundamental do poder autocrático dos czares.
Seria, pois, incómodo a Putin assumir-se nalguma linha de continuidade dos que ocuparam há cem anos o Palácio de Inverno. Mesmo sabendo que milhões de compatriotas ainda prezam essa utopia falhada e anseiam de algum modo por recuperá-la devidamente atualizada para as circunstâncias atuais.
Para quem anseia por um mundo novamente estimulado por ideais de justiça social, que opere uma distribuição mais equitativa e responsável da riqueza mundialmente produzida, a Rússia de Putin nada nos tem a ensinar. Respeitamo-la apenas por constituir-se como memória de algo de grandioso, que nunca chegou a concretizar-se nas suas prodigiosas virtualidades.
Sem comentários:
Enviar um comentário