Desconhecemos que idades têm, porque os registos de nascimentos deixaram de ter qualquer fiabilidade. Pelo menos fora de Cabul. Mas,com os primeiros pelos a aflorarem-lhes os rostos presumimos, que andarão pelos quinze, dezasseis anos e ocupam os dias a jogarem futebol ou a verem televisão.
Presos ou internados em orfanatos, lembram quando os talibãs os convenceram a explodirem-se em ajuntamentos dos que classificavam de infiéis. As circunstâncias permitiram, que fugissem ou fossem apanhados sem levarem a cabo a missão assassina.
Por terem ganho alguns anos de vida suplementares poderia crer-se que detestariam tais algozes. Afinal esses instigadores não mostravam o mesmo afã em mandarem os próprios filhos a desempenharem as tarefas, que destinaram a eles, órfãos abandonados à sua triste sorte, quando terão visto as famílias dizimadas por bombardeamentos dos invasores. Num mundo demasiado complexo para a sua capacidade de só o conseguirem olhar dividido entre bons e maus, os primeiros continuam a ser os compatriotas, que quiseram deles fazer assassinos, enquanto os outros, os que vieram de longe, são os infiéis cujas mortes consideram mais do que justificáveis.
A passagem da infância para a adolescência fê-los perder o rasto de memórias, que teriam gostado de conservar. Por exemplo os esquecidos rostos dos pais e dos irmãos, que deixaram de existir. Mas a impossibilidade de tais emoções talvez explique as expressões carregadas de quem anseia pelo momento de readquirir a liberdade de movimentos para reatar as missões que, à primeira tentativa, não tinham conseguido levar até ao fim.
Olhamo-los e lamentamos um Estado falhado, que levará décadas a recuperar o que já foi em tempos: quem imagina hoje possíveis as ruas de Cabul percorridas pelas alegres raparigas em minissaia, tendo por foco de excitação os bailes de fim-de-semana em que poderiam dançar o ié-ié? Ou esse hiato esperançoso de um governo comunista apostado em impor às tribos pashtuns os valores da igualdade e da solidariedade, que pareciam consolidados nas repúblicas soviéticas adjacentes? Como poderia Brejnev imaginar que enviando tropas para a Ásia Central criava as condições para apressar a implosão do regime herdado da Revolução de outubro de 1917?
É este atroz retrocesso civilizacional, que torna mais hediondo o crime de Reagan, o responsável pela utilização de Bin Laden e de outros que tais para erradicar a influência de Moscovo na região.
Quando se criticam tão violentamente os crimes estalinistas, esquecem-se os que, à conta da geopolítica ocidental, têm acumulado vítimas sem conta ao longo das décadas de sinistro imperialismo. Se devidamente contabilizados os mortos do permanente intervencionismo da Casa Branca ultrapassariam em muito os tão frequentemente publicitados pela narrativa anticomunista...
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