Eu sei que a grande maioria dos que me leem logo dirão “Não vale a pena gastar mais cera com tão ruim defunto!”, quando compreenderem quem aqui chamo à colação, mas um documentário da BBC sobre Richard Nixon, concebido e apresentado pelo historiador David Reynolds, permite-nos estabelecer alguns paralelos com o anterior inquilino do palácio de Belém, e até, nalguns aspetos em particular, com o atual líder da oposição.
Os três estão aparentados na origem social, que era a de uma pequena burguesia capaz de ir provendo ao seu sustento, mas sem grandes folgas. Nixon era filho de um merceeiro, Cavaco de um gasolineiro e Passos de um médico de aldeia. Todos eles cresceram em ambientes onde os preconceitos religiosos sobrepunham-se aos acenos da laica realidade e sentiriam sempre despeito perante os filhos de família das elites, que tinham podido estudar em escolas e universidades mais conceituadas e por isso acederiam mais facilmente aonde eles almejariam chegar.
Olhando para as fotografias de Nixon e de Cavaco em crianças e jovens, nota-se-lhes a rispidez do falso sorriso, que escondia o ódio de se sentirem num patamar demasiado baixo da escala social para cumprirem as suas ambições.
Não admira que chegados à vida adulta militassem ou agissem de acordo com o seu anticomunismo larvar. Nixon destaca-se no macarthismo a perseguir comunistas ou suspeitos de deles serem próximos e Cavaco vai à Pide para comprovar o seu conforto com o regime salazarista.
Porque eivados de complexos de inferioridade, hão-de compensá-los com a autossuficiência do seu pensamento: sentir-se-ão sempre dotados da razão. Eles sabem e nunca se enganam. Passos a quem a juventude permitiu alguma catarse sobre esse lado mais despeitado da sua personalidade, dissocia-se destas últimas características, muito embora em algumas alturas se lhes pareça replicar, como sucede com as suas certezas sobre os «benefícios da austeridade».
Prossigamos, pois, no paralelismo entre os senhores do Watergate e de Boliqueime. Um e outro sentem uma inveja enorme por quem lhes possa fazer sombra: Nixon detesta Kissinger, que lhe retira palco sobre os sucessos da distensão com a China de Mao e a URSS de Brejnev. Cavaco tudo faz para apear Sócrates, cuja visão de futuro contrasta com os seus ímpetos salazarentos de querer manter o país no diminutivo de que falava Alexandre O’Neill.
E, cereja em cima do bolo, ambos são dados à intriga, às jogadas sem escrúpulos, um criando a cultura dos «canalizadores», que redundaria no assalto ao edifício dos Democratas e o outro saindo-se mal da tentativa de criar um caso estival à conta das supostas escutas.
Resta para concluir uma outra característica comum: um e outro promovem à sua corte os medíocres, que não provém das tais detestadas elites e por isso mesmo os que nunca se cansaram de resgatar Nixon do seu justo olvido são verdadeiros sósias dos nossos duartes limas, dias loureiros e quejandos, que vindos do mesmo caldo social pequeno-burguês, muito enriqueceram sem nunca o Ministério Público ter cuidado de onde lhes terão surgido tantos proventos.
O interesse do filme de Reynolds vai, pois, muito além do da História em si: ele alerta-nos para um tipo de homens sem qualidades, que conseguem á custa de um bem sucedido arrivismo chegarem muito além do que ditariam as suas capacidades. E isso faz-nos lembrar inevitavelmente de outro exemplo bem atual: o do novo colaborador não executivo da Goldman Sachs.
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