1. Não são poucas as vezes em que me pergunto se ando a tomar os sonhos por realidades. Sobretudo em alturas como esta em que temos uma maioria governativa, como sempre desejei para o meu país, com a esquerda a convergir no projeto de melhorar a vida dos portugueses.
Para fazer o teste a essa realidade ponho-me a ler o que dizem aqueles com que não possuo qualquer afinidade ideológica e até me merecem, amiúde, o maior repúdio quanto às suas posições.
Um deles é João Miguel Tavares, que é dos mais irritantes opinadores do nosso espaço mediático. Mas, no entanto, quando leio a sua crónica de hoje em que zurze no discurso de Passos Coelho no Pontal, concluo que nem para os seus mais indefetíveis apoiantes, o ainda líder da direita consegue satisfazer!
Uma vez sem exemplo aqui fica um extrato do que ele assinou: “Não admira que no final do discurso a plateia tenha ficado hipnotizada a olhar para ele, e o próprio Passos tenha sentido necessidade de gritar “viva Portugal!” duas ou três vezes para que o público percebesse que o discurso tinha acabado e que era simpático dispensar uma pequena salva de palmas, para efeitos televisivos. Admito que metade das pessoas estivesse já a dormir; a outra metade estaria possivelmente a tentar controlar a reação vagal, após três ou quatro loops acerca do que é difícil, do que é necessário e daquilo que nós podemos fazer.”
Se é alguém tão assumidamente à direita a escrever isto, convenhamos que não temos de nos dar a muito trabalho para dizer o mesmo.
Mas, porque agosto vai correndo lentamente sem outras novidades que não os rescaldos dos incêndios ou a desilusão com a falta de medalhas no Rio de Janeiro, as palavras de Passos Coelho ainda vão rendendo mais algumas análises, todas elas unânimes na mesma conclusão: foi um discurso negativo, técnico, financeiro, económico, derrotista, da catástrofe e da desgraça, que acusando a esquerda de estar esgotada, é ele mesmo o sinónimo da incapacidade para sair daquilo a que António Costa classificou como «vira o disco e toca o mesmo».
Quem o poderá convencer de que, estando tão fresca a memória dos portugueses, para o que foi a austeridade e a atitude de endereçar permanentes vénias a Bruxelas, eles fujam como o diabo da cruz dos que lhe querem voltar a impor a mesma receita?
2. Normalmente de acordo com as opiniões de José Vítor Malheiros assustei-me quando lhe vi o título da crónica por si assinada no «Público» de hoje: «Em defesa das sanções».
Teria ele endoidado? Também ele gostaria de ver o país punido pelos austericidas de Bruxelas?
Afinal as sanções de que ele fala são outras! Sãs as que existem na legislação nacional para punir os prevaricadores do que ela contempla para prevenir os incêndios. E, como não estar de acordo com o que ali podemos ler? Nomeadamente com este trecho: “ Lembram-se daquele capítulo sobre a Lei das Sesmarias que estudámos na escola? Lembram-se de como nos parecia exemplarmente justa aquela determinação de D. Fernando segundo a qual os proprietários de terras de lavoura eram obrigados a cultivá-las sob pena de expropriação? Quando alguém descura a gestão de um bem próprio com prejuízo da comunidade, deve ser exemplarmente punido, quer se trate de um pinhal com mato seco à espera de arder, quer seja um baldio com lixo num talhão da cidade que é um viveiro de ratos. A comunidade merece e exige essas sanções.”
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