Ao convidar Mario Draghi para o Conselho de Estado Marcelo Rebelo de Sousa mostrou por que lado afina se as coisas derem para o torto: entre os portugueses que o elegeram e as instituições europeias dispostas a massacrá-los com novos cortes, a opção está clarificada. Porque não foi apenas o que Draghi disse, que importa: mais importante é ter querido divulgá-lo como forma de pressão sobre o novo governo. Apimentando as suas declarações com elogios às tenebrosas políticas de Passos Coelho. Não admira, pois, que a direita logo o tenha vindo incensar, disposta a ungi-lo como seu novo santo protetor.
E se a crise tem sido mitigada por efeito pratico da estratégia do BCE não é porque Draghi se tenha convencido da falibilidade das políticas de austeridade, mas por ver nela a forma de não tornar tão evidentes os sinais do seu fracasso. Na realidade, tendo sido quadro influente de uma das principais instituições financeiras da City londrina, Draghi não consegue ser quem não é: uma vez paladino do capitalismo selvagem, é-se-o para toda a vida!
É por isso que, ao ouvir-lhe ontem as críticas, António Costa deverá ter sentido ainda maior urgência na produção de resultados inequívocos na sua execução orçamental. E, sobretudo, na capacidade para avançar com reformas eficientes na criação de resultados práticos quase imediatos no respeitante ao emprego e ao crescimento económico. Porque Draghi tem por si um importante trunfo com que pode chantagear o Executivo: sabe-se que a agência de notação financeira canadiana, que não classifica de lixo a dívida portuguesa, limita-se a cumprir o que o BCE manda. E se Draghi quiser derrubar o governo da maioria da esquerda será por aí, que fatalmente começará...
Torna-se, pois, imperiosa uma de duas alternativas: ou a mudança significativa dos que ainda mandam nas instituições europeias de forma a redirecioná-las para a vocação nunca cumprida de terem como prioridade a qualidade de vida dos seus cidadãos ou repensar-se de vez se vale, efetivamente, a pena continuar a pertencer a um clube sadomasoquista onde os povos do sul estão fadados para serem continuamente flagelados...
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